(...) não nos interessa neste estudo, ao tentarmos captar a condição de ser da personagem “A” ou “Maria Trinta Cruzes” ou “Loucamansa”, tratar o exílio ou a fronteira ou a favela, ainda que “a palafita [seja] a fronteira do mundo. Onde tudo e nada” (p. 91), como resultado de lutas materiais. Nosso olhar está voltado para as formas desejadas/encontradas pela personagem para fazer de seu corpo lugar de significado e valor, reinventando-se a cada linha.
Desde as primeiras páginas do romance, fica nítida para o leitor a fragilidade do existir daquela que narra a história que começa a se compor e que confessa “que não há de que se possa apalpar a razão desta vida coberta de brumas e regurgitada com dificuldades pela mente turva” (p. 11).
Recém-nascida, fora abandonada por seus pais, prováveis moradores de rua, “sobre um gramado cuidadinho de jardineiro” no meio do lixo e encontrada por Aninhanha, “mãe anônimo-imposta” (p. 88), prostituta e catadora de lixo. Leia
“Todas as noites o jovem pescador lançava a rede ao mar. Quando soprava o vento de terra, não apanhava nada, ou muito pouco; quando o vento soprava para a praia, os peixes subiam das profundezas e caíam na rede. Ele os vendia a bom preço no mercado”. Assim se inicia “O pescador e sua alma”, conto de Oscar Wilde em que um rapaz se apaixona por uma sereia e, para tornar-se imortal – condição para poder se unir a ela –, dispensa sua alma, recortando com uma faca, na areia da praia, a própria sombra, símbolo da ligação com o mundo dos vivos. A mesma simbologia aparece na Divina Comédia, quando Dante percebe que Virgílio não possui sombra, entendendo-o, a partir de então, como pertencente a uma outra realidade, aquela de após-vida.
A lembrança desses dois textos me surge em meio à leitura de Dédalo, livro do poeta capixaba Miguel Marvilla, onde também se encontra um sujeito que busca, e cuja aventura existencial se perfaz entre a vida e a morte, na experiência da ausência, da perda, do nada. Leia
O Espírito Santo é um Estado cuja riqueza histórica é refletida em sua cultura de vários matizes. Apesar de sua pequena extensão territorial — é o quarto menor Estado do Brasil —, sua diversidade cultural e étnica ajuda a entender um pouco do lugar que mereceu, no romance clássico de Graça Aranha, chamado de Canaã, a terra prometida dos hebreus. Da antiga capitania governada pelo donatário Vasco Fernandes Coutinho até os dias de hoje há muita história para contar do Estado que foi chamado pelo cartunista mineiro Ziraldo de “o ateliê de Deus”. Um pouco desta história está retratada na coleção Biblioteca Capixaba, publicada pela Editora Nova Alexandria, que reúne desde infantojuvenis até abordagens históricas, novelas, romances e biografias, com ênfase na interdisciplinaridade e na interface entre história e literatura. Leia
Isso de contar histórias que você mesmo viveu parece coisa fácil, mas não é. A memória trai o tempo todo, esquecendo e acrescentando fatos e versões. E ainda é preciso estar atento para escapar ao ego e fugir do autoelogio. Mas, vamos lá que essa história merece ser lembrada.
O mês foi janeiro de 1992. Roberto Penedo era o novo reitor da Ufes e Francisco Aurelio Ribeiro o primeiro secretário de cultura da universidade. Francisco convidou Reinaldo Santos Neves para assumir a Coordenação de Literatura que me convidou para trabalhar com ele. “Topo, mas vamos fazer também uma revista.” Uma revista mensal, para vender nas bancas. Reinaldo e Francisco toparam. Leia
Rubem Braga escolheu estas crônicas para com elas fazer um livro e publicá-lo em sua terra. É trabalho que reúne História e estórias; é máquina do tempo e de emoções, realidade e ficção, descrição pura e observação alegre. Como um sol congelado. Dá para reconhecer uma História desconhecida nestas palavras. Palavras benditas que nos devolvem “uma base física para a saudade”. Querem saber o começo de Montanha? Leiam “Um Lugar Chamado Palha”. Revivemos em "Comercinho" a zona contestada com duas polícias (a capixaba e a mineira) e o que Mucurici foi um dia. Saudável um livro que nos permite sentir saudade de um tempo e de um lugar inatingidos! Bom constatar que nem “tudo o que parecia eterno sumiu”. Estão aí a geografia dos rios, da água dos rios, do volume d'água dos rios e o mar, as ondas do mar, a espuma das ondas do mar. Leia
Se me fosse solicitado precisar o lugar de Francisco Grijó na literatura produzida no Espírito Santo, certamente eu teria aí uma grande questão a ser desenvolvida, e talvez eu saísse dela com mais perguntas que respostas. Nascido em 1962, em Vitória, escreve contos, crônicas e romances. Publicou os livros Diga adeus a Lorna Love (contos, 1987), Um outro país para Alice (contos, 1989), Com Viviane ao lado (romance, 1995), Mulheres - diversa caligrafia (diversos autores, contos, 1996), Licantropo (contos, 2001) e Histórias curtas para Mariana M (romance, 2009). É cronista do Caderno 2 de A Gazeta. Casado e pai de meninas, é um homem cercado por mulheres.
Francisco Grijó não tem o selo capixaba impresso em suas palavras, não precisa disso. É desses escritores de obra universal, que mesmo percorrendo ruas, parques e praças de uma aldeia, pode ser lido em qualquer lugar com o mesmo assombro e prazer. Assim, prefiro, antes, traçar esse lugar. Leia
Eu tenho a leve suspeita de que se Pedro J. Nunes não fosse escritor seria jesuíta. E se Pedro J. Nunes fosse jesuíta seria da igreja dos Reis Magos de Nova Almeida. E se Pedro J. Nunes fosse jesuíta da igreja de Nova Almeida nem o Marquês de Pombal o teria tirado de lá.
Com esta introdução meio lúdica estou querendo realçar a apego que Pedro J. Nunes tem pela igreja de Nova Almeida.
Apego que pode ser comprovado no site Tertúlia capixaba, que Pedro mantém na Internet sobre autores e sobre literatura do Espírito Santo, onde está um naipe de fotos da autoria de Pedro sobre a igreja dos Reis Magos. Leia
Em 2000 tive a oportunidade de realizar seleção, notícia biográfica e estudo crítico para o número 7 da coleção Alberto Almada, dedicado ao poeta Miguel Marvilla. A coleção, que hoje conta com 23 volumes, é uma iniciativa da Secretaria de Cultura de Vitória com o propósito de registrar vida e obra de escritores capixabas contemporâneos.
Marvilla foi quem me forneceu a maior parte do material para pesquisa: seus livros, inclusive os mimeografados e os inéditos, como Zooilógico (literatura infantojuvenil), recortes de jornal e o que considerava sua fortuna crítica: dois cartões de Drummond parabenizando o então jovem poeta pelo lançamento de seu primeiro livro e uma análise inédita de Andréia Delmaschio. Leia
Há 25 anos, Fernando Valporto Tatagiba se despedia da nossa Ilha. Natural de São José do Calçado, jornalista, escritor, poeta e, principalmente, observador atento e de olhar sempre crítico, deixou um legado que abrange contos, crônicas, poemas e estudos documentados sobre cinema. Como jornalista, era inflamado por seus ideais e assumia argumentos, na maioria das vezes, muito afiados. No papel de escritor, mantém-se sagaz e sutil, mas acrescenta um caráter inventivo inédito para a literatura feita no Espírito Santo até os anos 1970. Leia
O ano era 79 e desde o começo da década estava em moda uma prática poética que se caracterizava pela escolha do poema curto, “flashes instantâneos, registros relâmpagos de mini-experiências, estalos líricos de breve duração e efeito imediato." [i]. Era a época da chamada “geração marginal”, marginal pela produção artesanal em mimeógrafos e xerox, de distribuição ignorada pelo mercado editorial e pela postura de protesto contra os cânones e a tradição.
A poesia de Miguel Marvilla surge nessa época. É à porta dos bares, no olho a olho, que os seus primeiros livros de poemas circulam de mão em mão: De amor à política, edição conjunta com Oscar Gama Filho, de 1979, A fuga e o vento, de 1980 e Exercício do corpo, de 1981, foram mimeografados e trazem na pele o ar daquele tempo pela sua apresentação alternativa. Além da apresentação e do modo de circulação, a poesia de Marvilla tem em comum com essa geração a retomada do lúdico, a exploração do espaço gráfico da página e o humor. Leia
Vírgula foi um tapa pra mim, quando foi lançado por Sérgio Blank, em 1996. Causou-me estranhamento e encanto aquele conjunto de poucos e tão precisos poemas, com versos afiados e surpreendentes, tanto no que diziam quanto no “como” diziam. Dezesseis poemas que transbordavam ironia ao percorrer caminhos tão solitários e íngremes que tanto fascinavam o garoto de dezenove anos que eu era, leitor compulsivo que encontrava nos livros aquela palpitação e perda de fôlego desmedidas de quem está feliz, só e abandonado, “perto do coração selvagem da vida”, como uma vez escrevera James Joyce. Leia
Introdução à leveza é o título de uma das crônicas de Elizabeth Martins que fazem parte deste livro.
Quis, porém, a autora que da crônica assim chamada, o título se transpusesse ao conjunto da obra. E o batismo se fez senão com água do Jordão (que bem merecia o livro), com a cristalina água destilada pela sensibilidade da Autora, como sacramento que consagra.
Porque todas as crônicas postas aqui nas mãos do leitor são de introdução à leveza. Leia
José Carlos Oliveira, em 1968, escrevia seis crônicas por semana. Deve ter ido muitas vezes solteiro para a cama. Assim, a gente lê os textos daquele ano e tenta classificar, por mês, os melhores, os piores (tarefa difícil) e os mais jornalísticos (alguém inventou que “crônica é jornalismo e literatura”).
Para que isso? Para destravar a criação da turma. Para mostrar que esses textos são quase que um diário, que tudo pode ser assunto, de dentro ou de fora de si. E que nem todos os dias são de “inspiração”. Entendemos ser bom mostrar também as rasuras, em vez de “as melhores de fulano”, “as cem melhores do Brasil”. (Os textos escritos em 1968 foram recolhidos no livro póstumo “Diário da Patetocracia”, editora Graphia).
A mocidade com quem trabalho passa a conhecer e curtir “Carlinhos”. Ri com ele. Admira seu estilo, sua coragem, e o considera melhor que Verissimo. Sinto que gostam de saber que ele convivia com companheiros da noite como Tom Jobim, Chico Buarque e Vinicius de Moraes. Leia
O livro pragmático, ou seja, o livro que trata de um aspecto do comportamento humano, como alcoolismo, gravidez precoce e consumo de drogas, entre outros, ou tema de interesse da coletividade, como ecologia, solidariedade, ética, etc., tem tido grande aceitação nas escolas como leitura paradidática. Desta forma, livros indicados como de literatura trazem como interesse principal uma espécie de matéria para o debate sobre os mais diversos temas.
O site Tertúlia ouviu vários escritores e educadores a respeito do assunto. Eis o que pensam. Leia
Com os respectivos perigos de qualquer generalização, a afirmação que se impõe, numa conversa sobre literatura espírito-santense do momento é esta, de certo dura: acontece que não há. Temos um punhado de rapazes e cavalheiros espalhado pelo Estado que têm, de fato, o vírus: a intensidade é maior ou menor e há exemplos comoventes de resistência física, moral e intelectual. Mas com a maioria o usual é brotar com entusiasmo da juventude e ir se quebrando no cais, até parar de todo, depois de infrutíferos arrancos no motor. Porque a letra de forma é cara e difícil. Leia
Coluna de Luiz Guilherme Santos Neves, com contos e crônicas inéditos.
Coluna de Ivan Borgo, com textos inéditos e crônicas publicadas em seus dois livros: Crônicas de Roberto Mazzini e Novas crônicas de Roberto Mazzini.
Coluna de Pedro J. Nunes, com textos inespecíficos inéditos ou já publicados esparsamente em jornais e revistas.
Coluna de Caco Appel, com impressões de leituras de livros de escritores capixabas.
Escritos afetivos sobre nossa geografia, história, cultura, turismo, tudo que sejam fatos e coisas do Espírito Santo.
Livros integrais inéditos e já publicados de autores capixabas.
Resenhas e podcasts do Clube de Leitura Leia Capixabas.