Memórias de Você

Joca Simonetti

Isso de contar histórias que você mesmo viveu parece coisa fácil, mas não é. A memória trai o tempo todo, esquecendo e acrescentando fatos e versões. E ainda é preciso estar atento para escapar ao ego e fugir do autoelogio. Mas, vamos lá que essa história merece ser lembrada.

O mês foi janeiro de 1992. Roberto Penedo era o novo reitor da Ufes e Francisco Aurelio Ribeiro o primeiro secretário de cultura da universidade. Francisco convidou Reinaldo Santos Neves para assumir a Coordenação de Literatura que me convidou para trabalhar com ele. “Topo, mas vamos fazer também uma revista.” Uma revista mensal, para vender nas bancas. Reinaldo e Francisco toparam.

Foi preciso estruturar a Secretaria para produzir uma revista mensal e publicar livros em série (em quatro anos foram cerca de 40 títulos). Entrava em cena a editoração eletrônica e foi preciso dominar a tecnologia e definir como seria a revista, que nome e seções teria, quais os colaboradores etc.

Foram seis meses até terça-feira, 30 de junho de 1992, quando o primeiro número da revista Você foi lançado na livraria A Edição de Jardim da Penha. No primeiro dia daquele mês nasceu minha filha, Maria.

Você por quê?

Todo nome de revista é estranho até que a gente se acostume a ele, e Você traduzia bem o que queríamos: “você, pronome de tratamento que pressupõe intimidade, diz muito bem qual é a política editorial da revista: linguagem coloquial, humor, cartas na mesa – iscas para que o leitor chegue e converse.” (editorial do n° 1). O nome também traduziu (intuitivamente) o espírito daquele tempo. Não foi acaso que, seis anos depois, a editora Abril batizou de Você S/A sua revista de divulgação do mundo dos negócios.

As dificuldades estavam claras para nós: selecionar conteúdo, editar, diagramar, revisar, imprimir e distribuir a revista todo mês. Muita gente tentou nos convencer a fazer a publicação bimensal, trimestral. No entanto, é preciso criar o hábito no leitor, e para isso é preciso alimentar sua vontade de ler a revista. Em 60, 90 dias, essa vontade fica esquecida na estante.

O número 1 trouxe seções que seriam permanentes: Começo de conversa (editorial), Escrivão da Frota (crônica), Escrivaninha (textos literários), Feira Livre (noticiário), Shopping Paiol (cartum) e 35 mm (fotografia); e colaborações de Antônio Ferreira (pseudônimo do Reinaldo), Erly dos Anjos, Francisco Grijó, Humberto Capai, Marco Antônio Neffa, Renato Pacheco e Roberto Mazzini (pseudônimo de Ivan Borgo).

Apoiaram o lançamento a Prefeitura de Vitória e o Instituto Histórico e Geográfico, pelas mãos do vice-prefeito Rogério Medeiros e do presidente Renato Pacheco, respectivamente; além de Aracruz Celulose, Livraria A Edição, Ibeuv, Fundação Jônice Tristão, Colégio Salesiano e Artgraf.

Mascateando Você

O número 2 circulou religiosamente no mês seguinte, inaugurando a seção Ao Pé da Letra, com a correspondência recebida. Inclusive carta de Luiz Busatto que entrou para a história da vida privada da revista – voltaremos ao assunto.

Em outubro, a revista trouxe encartada a primeira edição da novela Vilarejo, de Pedro Nunes. Tudo o que fazíamos em torno da revista tinha um objetivo também político. A própria Você visava fortalecer um pensamento capixaba, dar a conhecer e fomentar um modo capixaba de ver o mundo.

A publicação de Vilarejo tinha o foco em mostrar que é possível editar livros sem depender do aparato estatal. O livreto teve patrocínio do Sal Globo, esgotou a tiragem de mil exemplares e deu lucro – o segredo foi buscar e obter a adoção do livro em escolas. Para isso saímos, Reinaldo, Pedro Nunes e eu, mascateando revista e livro em debates em escolas de Vitória, Vila Velha, Fundão e São José do Calçado. Fomos ainda a Colatina, Afonso Cláudio e Ecoporanga.

Depois, Vilarejo saiu em livro acompanhado de outras histórias e teve quatro edições entre 1993 e 95, vendeu mais de 5.000 exemplares e pagou direitos autorais em dinheiro (coisa rara até hoje).

Outras colaborações viraram livros: Escrivão da frota, de Luiz Guilherme Santos Neves, e Crônicas de Roberto Mazzini, de Ivan Borgo.

Os colaboradores de Você

O ano seguinte começa com a retrospectiva cultural de 1992. Outro movimento político que acompanhava as decisões editoriais: não se fazia, e continua não se fazendo, jornalismo cultural. Não me refiro aos ensaios e opiniões. Refiro-me a jornalismo no mais stricto-sensu: noticiar os acontecimentos, contextualizá-los e comentá-los.
Queríamos então mostrar na revista que é importante fazer jornalismo de cultura. Para isso contamos com uma explosão de colaboradores que fizeram a crítica regular da produção artística local (teatro, literatura, música e audiovisual), reportagens e participaram de números temáticos que enfeixavam vários textos sobre um assunto comum (cantigas de roda, futebol, Vitória etc.).

Outras novidades vieram em 1993: a publicação de quadrinhos, a chegada de Leonardo Bicalho como editor da seção 35 mm (depois David Protti); de Cristina Xavier, que assumiu a diagramação; e de colunistas fixos: Bernadette Lyra, Francisco Aurélio, João Gualberto e Hermógenes Fonseca.

O número 27, em fins de 1994, foi o primeiro a ser impresso em papel branco. Por opção nossa, a revista era publicada em papel jornal. E foi também o último número assinado apenas por mim e Reinaldo como editores.

A partir do número 28, Você passou a ter a colaboração de Adilson Vilaça e Cristina Dadalto na edição e Milson Henriques como titular da seção Traço Capixaba, espaço aberto para cartunistas locais. No n° 31 Márcia Tourinho junta-se à trupe. Nessa fase, Você passa a circular com uma média de 56 páginas e tiragem de 1.500 exemplares.

Entre 1992 e 95, 115 colaboradores diferentes publicaram na Você. No mesmo período, contamos com um time de estagiários de primeira linha: Carolina Ventorim, Orlando Lopes, Alexandre Caetano, Luciana de Castro, Handerson Siqueira, Joana Tanure, Stella Fardin, Flávio Valadares, Luiz Mees, Érika Silva e Renato Costa Neto.

Muitos fotógrafos passaram pela seção 35 mm. Para lembrar alguns: Carla Osório, Sérgio Cardoso, André Alves, Zanete Dadalto, Edson Chagas, Tadeu Bianconi. Jovens publicaram na seção Escrivaninha. Gente como Júlio Tigre, Caê Guimarães, José Roberto Santos Neves.

A autonomia editorial foi sempre absoluta, graças à postura de não interferência adotada por Francisco Aurelio Ribeiro, secretário de Cultura, e pelo reitor Roberto Penedo. Mesmo quando criticamos a própria universidade – o que aconteceu algumas vezes, como na reportagem sobre a Rádio Universitária e em notas sobre o uso de xerox de livros por professores e estudantes: “essa prática, ilegal, já toma ares de quadrilha, com uma organização que inclui a cooperação dos professores e a anuência da instituição.”

A edição 36 da revista Você (dezembro 95/janeiro 96) foi a última da qual participei. Foi também a última publicada sob a gestão de Roberto Penedo e Francisco Aurélio. Nessa edição, eu e Reinaldo nos pautamos como entrevistados. A entrevista, conduzida e redigida por Adilson Vilaça, foi uma forma de fazer um balanço e avisar aos leitores que, a partir do número seguinte, Você estava sob nova direção.

Você sob nova direção

A revista continuou até o número 60, de outubro de 1998. Nessa última fase foram editores Adilson Vilaça, Márcia Tourinho e Miguel Marvilla. Sobre esse período não tenho o que dizer. Fui então apenas leitor orgulhoso por ter participado da criação de um dos mais longevos periódicos de divulgação cultural do Espírito Santo, que superou em muito a profecia feita por Luiz Busatto na carta publicada no número 2: “o impulso vital de alegria biológica que dá origem a esses periódicos não ultrapassa o terceiro ou, no máximo, o sétimo número.”

 

Joca Simonetti é jornalista e mestre em comunicação e cultura contemporâneas.

 

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