Manhã cinzenta de domingo. Chove lá fora e aqui. Inauguro o dia brindando ao alvorecer com uma xícara de café amargo. A doçura ficará para outro dia mais quente. O desfecho do relatório da semana me aguarda, ranzinza, na mesa de trabalho. Back to work. Sento-me em frente à tela do computador. Seus ícones coloridos disfarçam a sisudez obrigatória da vida de escritório. A casa virou home office. Mais um gole de café-cowboy e me sinto pronta para o bang-bang da vida. Nem tanto, afinal, hoje é domingo. Leia
Renata Bomfim (Vitória/ES, 21 de novembro de 1972) é poetisa, professora, educadora ambiental e doutora em estudos literários pela Universidade Federal do Espírito Santo. Membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, tendo, também, presidido a instituição e organizado uma das edições da Feira Literária Capixaba (a Flic-ES), Bomfim é autora de quatro livros, todos recolhos poéticos. O coração da Medusa (2021), seu mais recente trabalho, é um volume de 157 páginas. Leia
Dia de luz, festa de sol, e de um dos apartamentos do edifício Champs-Élysées, na avenida Atlântica, mais precisamente em frente ao Posto 4 de Copacabana, ouvia-se um barquinho navegar ao som do violão de Nara Leão. De fato, a música dos compositores Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli foi o marco do novo estilo que surgia nos idos de 1957: a Bossa Nova. Leia
Abrindo as portas da Coleção Letras Capixabas, O sol no céu da boca, primeiro livro de Fernando Tatagiba, foi publicado em 1980 como resultado de uma iniciativa conjunta da Fundação Cultural do Espírito Santo com a Fundação Ceciliano Abel de Almeida, após várias publicações esparsas – em revistas e antologias de alcance nacional – do premiado escritor que, até então, era jornalista. Os 24 contos reunidos na coletânea também abrem portas para a consolidação de uma abordagem da produção literária que ainda carecia, no Espírito Santo, de representantes que a defendessem: uma literatura que efetivasse o rompimento com a tradição do beletrismo, defendida pela classe média, e se voltasse para a realidade das personagens ignoradas por essas produções existentes, marginalizadas. Leia
Em meu primeiro documento textual acadêmico, o Projeto de Graduação, hoje chamado Trabalho de Conclusão de Curso, TCC, eu fiz uma dedicatória ao meu avô paterno, o médico Maurício Lordello. Foi com ele que tomei o gosto pela literatura, pelos jornais, e pelo rádio. Leia
Renan Peres Ferro nasceu em 1997. Para este professor de português e mestrando em Estudos Literários da UFES, tal informação é de importância para se começar a entender o texto do autor, que estreia 2020, em plenos tempos pandêmicos, com um recolho de 35 poemas: sua geração pertence aos nativos da Internet, àqueles que dominam os códigos virtuais e se movem de rede em rede, entendendo e vivendo a realidade, portanto, por meio de fragmentos. São o primeiro produto mais fidedigno do nosso Contemporâneo, aqueles que começam a modificar valores laborais, sexuais, afetivos, ousando questionar uma sociedade acometida por doenças da alma. Desta feita, o livro não poderia ter melhor título: Sintomas. Leia
Território inominado, romance de estreia da escritora e professora capixaba Fernanda Nali, foi publicado em 2018 pela editora Cousa. A obra foi aprovada no Edital Secult/Funcultura n° 007/2017: Seleção e incentivo à produção e difusão de obras literárias inéditas de autores residentes no Espírito Santo. Leia
O que há de mais precioso que a infância? Não é ela uma riqueza a ser protegida no cofre cerrado da memória? Existiria algo mais infame que a violação dessa fase tão pura da vida? Essas e outras indagações agitam a mente após a leitura do sublime romance Menino, de Pedro J. Nunes.
A cativante história do garoto do interior do Espírito Santo, mais precisamente do município de São José do Calçado, foi levada a público por meio do belíssimo projeto intitulado Nossolivro, organizado pelo jornal A Gazeta, no ano de 2012. Leia
Neste algum tempo em que acompanhamos, no que nos é possível, a literatura não apenas produzida no nosso rincão, mas, também, em outros quadrantes deste imenso país, chegamos à conclusão de que, basicamente, duas temáticas têm despontado como principais na pena dos muitos autores contemporâneos: uma, proveniente de um engajamento político, fruto das tensões vividas sobretudo nestas épocas de retorno aos ideais de um obscurantismo que se pretende calar vozes já tradicionalmente à margem da sociedade – e que têm na literatura um importante vetor de expressão, o que torna escritos e escritores, potencialmente, pessoas perigosas, combatidas; outra, bem mais intimista, mas não menos engajada, que pode ser percebida como uma “poética do corpo”, sendo, portanto, somática, e denotando um “movimento para dentro”, logo, também, ontológica. Leia
Crepúsculo de uma sexta-feira conturbada. Trabalho atribulado, família fragilizada por mais um caso de suspeita da nova peste, e o cansaço da semana lateja em uníssono com o meu joanete no pé esquerdo.
Para aliviar a tensão, faço a música de Chico Buarque ressoar pela casa, calmante sonoro para as noites de angústia. No momento em que ouço os versos da canção “De todas as maneiras”, vejo o livro Carne viva, de Lívia Corbellari, aquisição do dia anterior, em cima da minha mesa da sala. Leia“Ando por esse Espírito Santo, canto por canto, embora invente uma fictícia ilha, que nem Jorge, é esta terra que eu amo, esta terra que é minha. Vitória: eis-me chegado, enfim a Trapisona.” O mesmo espírito de amor à terra natal presente nos Cantos de Fernão Ferreiro, bela obra poética do escritor, professor e magistrado capixaba Renato Pacheco, pode ser nitidamente observado em Poemário mirim de pertinências várias, cativante livro do também escritor, professor e magistrado capixaba Getúlio Marcos Pereira Neves. Leia
Tricotar os retalhos da memória com as agulhas delicadas da poesia.
O romancista é sempre um latifundiário: sua construção literária é imensa e até infinita. Escreve, pois, sobre os grandes achados da humanidade, diálogos complexos, convicções filosóficas, os firmamentos dos céus, a vileza de Poseidon com os seus mares que apartam amores pretensiosamente construídos para experimentarem o eterno, os carnavais incautos de um cristianismo político. LeiaBorn to be wild! (1) Assim como a canção de Steppenwolf, imortalizada no filme “Sem destino” (Easy Rider- 1969), o livro Os ncontestáveis, de Saulo Ribeiro, traz a vibração das viagens transnacionais norte-americanas (road trips) dos anos 50 e 60 para os dias atuais.
De fato, a leitura de Os incontestáveis nos proporciona uma animada viagem junto aos irmãos Belmont (“Bel”) e Maurício (“Mau”) em busca de um possante Maverick, automóvel vendido por Ramiro, pai dos dois aventureiros. Leia
“Porque sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens.” No livro Ética a Nicômaco, obra fundamental para a compreensão da filosofia clássica ocidental, Aristóteles reserva, como não poderia deixar de ser, todo um extenso capítulo (Livro VIII) sobre a importância da amizade. Para o grande filósofo grego, a amizade seria um atributo essencial para o bem-viver.
Como Nicômaco, filho e discípulo do mestre grego, Ivan Borgo, profundo conhecedor dos textos clássicos, pelo que prontamente se extrai da leitura de suas crônicas, seguiu a recomendação aristotélica e praticou, com excelência, a arte de cultivar amizades. É o que se aufere já nas primeiras páginas do livro Roberto Mazzini e outros navegantes – Ivan Borgo: vida e obra, elaborado com perfeição pelo brilhante escritor capixaba Pedro J. Nunes, membro da Academia Espírito-santense de Letras e grande amigo do biografado. Leia
Márcio Seligmann-Silva, professor e pesquisador da Unicamp e um dos grandes teóricos da questão da memória dentro do campo literário, assevera, em artigo sobre o tema, que “[o] teor de irrealidade é sabidamente característico quando se trata da percepção da memória do trauma”. Eis, portanto, a sentença: não há testemunho sem dor. Assim é com obras já canônicas, tanto da literatura universal quanto brasileira: O diário de Anne Frank; É isto um homem, Primo Levi; Quarto de despejo, Carolina Maria de Jesus; e Nerina: Relatos de uma vida, autobiografia da autora ítalo-capixaba Nerina Bortoluzzi Herzog, uma sobrevivente da II Guerra Mundial que, além de narrar seu testemunho de vida, tão imbricado com a Guerra, também levanta questões ontológicas, identitárias e, em última análise, humanitárias. Leia
Desde o início, o verso "Somente aos olhos é permitido tocar a distância" anuncia a visão do poeta de um mundo que se desfaz enquanto apenas os elementos perenes do corpo e da vida permanecem. O virar das páginas nos apresenta a um universo de corpos em constante desintegração, enfatizando, sempre, elementos que, como a língua epigrafada de Ferlinghetti, transcendem: "É a louca anatomia, / que me faz ser todo coração". Leia
No prefácio do livro, assinado pela escritora Bernadette Lyra, já se antevê um pouco do que vai se descortinando aos sentidos do leitor enquanto adentra nos poemas deste Breviário.
Estamos diante de poemas ligados aos mínimos movimentos da existência versados em palavras que se materializam com simplicidade e clareza, porém que traçam brechas e provocam rasgos na estabilidade monótona de qualquer déjà vu. (Bernadette Lyra) Leia
“A vida, meu amor, é uma grande sedução onde tudo o que existe se seduz”. O trecho do livro A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector, cabe à perfeição como moldura para a obra A vida secreta da gente, da escritora Maria Sanz Martins.
Maria Sanz seduz. E, como gosta de dizer, o faz da forma mais “sabida”, qual seja, com doçura. Ler as crônicas dessa autora é como saborear aquele doce requintado guardado para uma ocasião especial, ou ainda, como abrir uma caixa de bombons finos, em algum canto onde ninguém possa nos perturbar, para desfrutá-los sossegadamente. Enfim, é puro deleite. Leia
Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e o clube de leitura Leia Capixabas.
Editor responsável: Anaximandro Amorim