Sobre a incerteza da sobrevivência de obras literárias

Bernadette Lyra

Nestes tempos confusos, um tsunami de obras literárias inunda o país. Tornou-se difícil pensar, com clareza, as chances de qualquer escriba sobreviver na memória da minúscula massa de gente que lê. Há quem diga que sobreviverão apenas os mais criativos, mais talentosos, mais bem qualificados para a nobre tarefa da escrita.  Isso não é coisa certa. Em matéria de literatura, a sobrevivência é uma inconstante. Por vezes farfalha, lançada aos ventos da moda; por vezes falha, mergulhada no esquecimento.

Vejam vocês o caso da magnífica Hilda Hilst. Hoje, centenas de homenagens, de estudiosos e de apaixonados bebem na fonte de seu acervo poético. Mas na década de noventa, a escritora abandonou totalmente o fazer literário. Estava desiludida com a falta de leitores, foi o que declarou. Não sem antes incursionar pela pornografia (ou pelo erotismo, como preferem alguns mais pudicos). Publicou sua Trilogia obscena, como uma resposta atrevida, dada com certa ironia a quem não lesse o que ela escrevia. É fato que um autor pode cair no gosto do público e lá permanecer, in saecula saeculorum (ai! que saudades do tempo em que a gente aprendia Latim... muito dessa treta de linguagem neutra se resolveria).

Não digo que conheça os mistérios da fidelidade a alguns nomes. Afinal, não conheço todos os poetas, contistas, romancistas, ou mesmo cronistas do mundo. Pensando bem, nem a mim mesma conheço. Porém presumo que o encantamento que liga os leitores a alguns escritores se deve a estratégias que passam pela empatia de cada pessoa para com as personagens, as palavras e os sonhos de identificação.

Em contraposição, em quase todos os países existem também estratégias sociais para incentivar a leitura. Uma delas é o ato cívico que alguns governantes costumam fazer, selecionando livros a serem comprados, para distribuir às bibliotecas ou serem adotados em escolas.

Afinal, a formação escolar de leitores jovens faz parte de uma rede propícia à manutenção da cultura nas sociedades humanas. A leitura literária é aliada valiosa contra o esquecimento de valores, tradições e costumes de um município, de um estado ou de uma região.  

Mas, é sempre difícil fazer uma listagem de obras. Exige perícia, delicadeza, conhecimento e isenção. E em se tratando de ações sociais, ainda mais com recursos públicos, todo o cuidado é devido.  O caldo da boa vontade cívica pode entornar, caso a lista esteja sujeita a critérios estapafúrdios ou lateralidades políticas. Que disso nos livrem as musas que acompanham as peripécias de sobrevivência da Mãe Literatura!

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