Todas elas, agora

Marcela Guimarães Neves

 

O destino de cada um de nós está traçado. A linha da vida, fiada com esmero pelas três Moiras, será por elas cortada ao fim de nossa existência. Mulheres como potências criativas ou algozes da destruição. Mulheres cruzando os caminhos masculinos, escrevendo ou apagando intenções, sentimentos, pensamentos de vida e de morte.

No livro Todas elas, agora, do brilhante professor, escritor e ex-secretário de cultura do município de Vitória Francisco Grijó, as mulheres são um objeto de fina análise, de uma verdadeira dissecação à lupa de quem evidencia o costume de vê-las sob vários ângulos, numa profusão de minúcias, embora caracterizadoras apenas de uma parcela daquelas que podem ser denominadas “mulheres”. Como disse a genial filósofa francesa Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se.”. Decerto, há muitos homens de alma feminina a quem também deve ser concedido o privilégio de fazer parte desta bela categoria, que, hoje, já não mais pode ser considerada como “o segundo sexo”.

“Mulheres que merecem morrer” (p.19); mulheres para quem bastava apenas dizer que se escreviam livros “para que elas se oferecessem” (p.23); Rebecas inesquecíveis, como a Matilde do conto“Adam Rubiel, Matilde e o velho escritor” (p.21); descendentes da Ilha de Lesbos, como as eróticas Virgínia Ligorio e Marina Soares (p.95); mulheres de vida airada dos becos e lupanares (p.31); belas Auroras abrindo as janelas de desejos recônditos ou Suzanas assassinas com amigas cintilantes (p.69), entre outras venusianas descritas pelo autor em contos intensos e sensuais. Em Todas elas, agora, encontram-se os deuses Eros e Tanathos, em um arranjo complexo de pulsões freudianas de amor e de morte, agindo na arquitetura do mundo e por baixo da pele fria das fêmeas da nossa espécie.

“Oh, túmulo, oh, leito nupcial, oh, morada profunda, prisão onde ficarei para sempre.” Já cantava a Antígona de Sófocles, na Antiguidade Clássica. Tanto no alfa do prazer como no ômega da existência, busca-se a imortalidade, a plenitude, uma volta para um espaço transcendente, o limite entre o ser e o nada. La petite mort, a pequena morte após o ápice do amor carnal, o kundalini dos indianos, ativação dos sete chakras pelos ágeis movimentos das jovens sacerdotisas dos templos tântricos, ou o “post coitum triste”, considerado pelo filósofo Jean-Paul Sartre como a decepção em não conseguir controlar as exigências do corpo.

O fascínio pelo feminino, pelo corpo feminino, pela alma das mulheres, seria uma busca contumaz pelo descobrimento de um grande mistério, o espaço obscuro de um ser que, assim como pode gerar a vida, também pode tirá-la, pois, explica a brilhante psicanalista Diana Corso, “todo ser humano é fruto da decisão de uma mulher”. A exemplo do amor, a morte espanta os homens, e estes encontram na mulher o livro de atos do allegretto, ou da ópera trágica (a depender do esforço de cada um), que constituem a existência humana.

E como traduzir tal perplexidade dos homens ante o feminino universal? A arte vem a ser a grande linguagem em que se estruturam sentimentos e pensamentos quando o assunto é a mulher. Obras magistrais, como Tristão e Isolda, de Wagner, pinturas extraordinárias, a exemplo do Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli; O sofrimento do Jovem Werther, de Goethe; o cinema de Hitchcock... Aproximando um pouco mais a lente para a nossa latino-américa, temos os sonetos do grande poeta chileno Pablo Neruda, todas as personagens femininas das músicas do extraordinário compositor e letrista Chico Buarque, as Terezas e Tietas de Jorge Amado, todas as mulheres do Domingos de Oliveira, enfim, homens grandiosos tentaram compreender a força feminina na natureza. Sem dúvida, o livro Todas elas, agora, de Francisco Grijó, insere-se nesse rol das grandes obras sobre o encantamento que se materializa no humano feminino, porquanto também procura elucidar tão hermética incógnita.

Como afirmou Virgínia Woolf: “O que é uma mulher? Eu lhes asseguro, eu não sei. Não acredito que vocês saibam. Não acredito que alguém possa saber até que ela tenha se expressado em todas as artes e profissões abertas à habilidade humana.” Estamos próximos da resposta para este grande enigma da humanidade? Ou a mulher ainda precisa batalhar para conquistar espaços que permitam revelar a sua real identidade? Enquanto o fio da vida não nos é cortado, é de responsabilidade de todas nós, em nossos vários gêneros, tecer as respostas para essas perguntas, costurando laços com todos os homens que amavam, amam e amarão as mulheres.

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Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e o clube de leitura Leia Capixabas.

Editor responsável: Anaximandro Amorim