De que matéria é feita a poesia? Que substrato dá corpo à linguagem poética? De onde vem a centelha incandescente que anima a alma do poeta diante da página em branco? A essas perguntas resposta simples não se encontra, ou talvez seja justamente no simples, na simplicidade, que a poesia confecciona o seu complexo ninho. Estará ela nas borboletas renovadoras de Manoel de Barros? No gole d’água bebido no escuro por Mario Quintana? Topa com a pedra no meio do caminho do deserto de Itabira de Carlos Drummond de Andrade? Passeia pelos canais da Veneza americana de Manoel Bandeira ou chafurda na lama-mucosa do mangue recifense de João Cabral de Melo Neto?
Se grandes nomes da poesia brasileira nos deram pistas geniais para decifrarmos este instigante enigma, o poeta e historiador Fernando Achiamé, com seu Livro novíssimo, une-se a essa excelsa plêiade pela absoluta engenhosidade de sua poesia. Com efeito, o autor também investiga as minúcias do cotidiano para que possamos vislumbrar todo o tecido histórico-poético do povo capixaba. E o faz com o olhar de quem não apenas é exímio conhecedor da história e da cultura do Espírito Santo, mas também mundiais. Vale ressaltar que o autor é ocupante da cadeira nº 17 da Academia Espírito-santense de Letras (AEL), bem como é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES).
De fato, por meio dos belíssimos poemas de Achiamé, respiramos as “vãs poeiras” das cidades assimétricas (p.19), passamos pelas recordações das praças (p.27), desconfiamos do toque do orelhão (p.18), sentimos a brisa calorenta do vento solar (p.91), colorindo os meses (p. 80), pegamos o trem até a roça de Itapina (p. 122). Tudo isso para descobrirmos, enfim, que “nem todos os versos são apanhados no ar” e que “dá trabalho fazer livro de poesia” para, depois de pronto, ainda enviá-lo às mais diversas bibliotecas (p. 232).
Ademais, no Livro novíssimo, geografia e história também constituem ingredientes para a gastronomia poética. Nas viagens de Dom José até a Capitania do Espírito Santo, na epopeia “Visitas ao Éden” (p.31), nos trajetos realizados pelas locomotivas musicais do poema “Tempo de trem com músicas” (p.121) perpassa a bela geografia espírito-santense, como a descrita na graciosa homenagem à ilha de Vitória nos versos de “Trópico de Vitória” (p.75).
Em outro trópico, mais precisamente no Trópico de Câncer, o escritor norte-americano Henry Miller afirma, ao falar das obras de Matisse, que “somente aqueles que, como ele próprio, são sensíveis à alquimia do som e do sentido são capazes de transformar a realidade negativa da vida nos contornos substanciais e significativos da arte. Só os que são capazes de admitir a luz em suas entranhas podem traduzir o que há no coração.” (1974, p.156).
Sem dúvida, em legítimos cânticos como “Entre nós dois” (p.117), “O inesperado” (p.114) e “Paixão possível” (p.115), o autor admite iluminar as profundezas de sentimentos recônditos e nos mostra toda a sua sensibilidade na alquimia fundamental da vida: a alquimia do amor.
Com efeito, a leitura do Livro novíssimo, de Fernando Achiamé, sem dúvida acrescenta e muito ao mistério da descoberta poética no âmago do espírito humano. A sua visão panorâmica da vida - dos pequenos detalhes à transcendência religiosa - confere-nos a certeza de que a poesia é cada vez mais valiosa e imprescindível num mundo em que a tecnologia nos afasta da empatia poética. Os versos do poema “Mais poesia” concluem, de forma magistral, o seu caráter essencial para a vida em sociedade:
Físicos devem ler poesia:
Dois corpos ocupam o mesmo espaço,
Ao fazerem amor.
Duas almas são uma só,
Se amarem o mesmo ideal:
Religiosos precisam conhecer poesia.
Homens têm necessidade de poesia:
Espíritos opostos unem-se na Tolerância,
Única forma de amar sempre à mão.
Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e o clube de leitura Leia Capixabas.
Editor responsável: Anaximandro Amorim