Às margens do rio escuro, de Getúlio Neves

Marcela Guimarães Neves

 

“Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
Navegar é preciso; viver não é preciso.
Quero para mim o espírito desta frase, transformada
A forma para a casar com o que eu sou: Viver não
É necessário; o que é necessário é criar (...)”

Como no trecho do poema do mestre português Fernando Pessoa, Às margens do rio escuro, belíssima criação literária do magistrado, historiador e escritor Getúlio Neves, nos faz entrar numa fascinante embarcação que atravessa o Rio Itaúnas, ao ritmo de seus mitos e ritos sincréticos.

Contudo, até chegarmos às dunas da Vila Mágica, numa cabotagem litorânea, o jovem protagonista da narrativa navega pelas costas coloniais de Olinda, para nos apresentar os encantos de Pernambuco. Cenário de seus estudos acadêmicos, o cálido solo pernambucano também será palco de sua primeira desilusão amorosa, a impetuosa Carolina, cujo amor se mostra fugaz como uma troça carnavalesca repleta de estandartes, frevos, maracatus e bonecos gigantes.

E nutridos com a história, geografia e costumes das terras que encantaram Nassau, a nau nos devolve às margens do rio escuro que perpassa o antigo município de Barra de São Mateus, o qual, sob os auspícios de Nossa Senhora da Conceição foi, em 1861, rebatizado como Conceição da Barra.

Nada mais justo. Se o Porto da Barra era atracadouro para grandes vapores, navegantes de outras etnias sentiram-se abençoados, uma vez que Nossa Senhora da Conceição é a representação católica de Iemanjá, a deusa rainha das águas.

Ao som dos batuques do Ticumbi, procissão ritualística dos habitantes dessa região, conhecemos Marina, a feérica personagem que, com sortilégios de outro mundo, é fonte de encantos e quebrantos responsáveis tanto pelo clímax do romance quanto pelo clima de sensualidade que nos envolve no mesmo transe do protagonista.

Pedindo permissão aos tatás nas engiras da Cabula, encerramos a encantadora e enigmática obra de Getúlio Neves. Banhados de sua linguagem escorreita e poética, sob as bençãos de uma itaunense Iara, emergimos culturalmente mais ricos desse rio caudaloso de memórias e mistérios.

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Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e o clube de leitura Leia Capixabas.

Editor responsável: Anaximandro Amorim