Todo dicionário, por menor que seja, tem centenas de verbetes. Fico a pensar... será que todos os vocábulos existentes já foram utilizados? Mas, a par daqueles que ninguém jamais ouviu, leu e ignora, há os que são usados à exaustão.
Ontem, num aniversário, durante certo tempo fiquei quieta num canto ouvindo as animadas conversas que se entrecruzavam. Uma coisa chamou-me a atenção; e quanto mais eu observava, mais a coisa me divertia: a prima que voltara da Índia contava coisas do arco da velha, alguns adultos falavam da coisa pública, as crianças, não diziam coisa com coisa. Atenta ao vocabulário, descobri o quanto a palavra “coisa” é curiosa e prestativa. Serve pra designar qualquer coisa, ara!
- Que coisa linda! Disse a aniversariante ao receber um presente.
- Que coisa horrível! Exclamou alguém ao saber da morte trágica de um conhecido.
Aliás, a casa da aniversariante é uma coisa! Decorada com toda sorte de coisas: coleção de presépios, carrilhões que cantam ao vento, vindos de toda parte do mundo, miniaturas de casinhas (coisicas de nada), tudo arrumado no capricho. Eu ficara a cismar... “deve ser uma coisa, limpar tudo isso!”
Divagações são comigo mesma; viajei na coisa: já vi “coisa” virar verbo: - “Quié que você tá coisando aí?”, superlativo: - “Coisíssima nenhuma!”, já a vi estupefata - “A coisa tá preta!”, e a pesarosa - “Que coisa triste!”
Há coisa de uma hora cheguei em casa e fui direto ao amigo dicionário, pai dos curiosos (não dos burros), e descobri como a coisa também pode ser séria:
“Coisa em si. Hist. Filos. - No kantismo, o que subsiste independentemente da representação, e é causa dos fenômenos”.
“Coisa julgada. Jur. - Sentença irrecorrível, decisória da lide, e que tem força de lei nos limites das questões decididas”. (Impressionante, não?)
E existe o lado supersticioso; quando o “coisa ruim” entra na história, pode até acontecer feitiçaria, coisa-feita... Esconjuro! Não é coisa pra se subestimar. Eu não brinco com essas coisas; dá um calafrio... uma coisa por dentro... eu hein, rosa!
Daí que eu lembrei dos minero lá da roça (uai!), esperando na estação, com mulher, penca de filho. Ouve-se um apito e o pai, apressado, adverte - “Êh muié, junta os trem que a coisa vem vindo”.
Brincadeira à parte, a coisa torna-se preocupante quanto se trata da coisificação do indivíduo - seja ao inverter os valores essenciais do ser humano coisificando-o a consumidor, seja tornando invisíveis o irmão gari, o vigia, o faxineiro quais meros objetos, ou transformando nomes em números, e a mulher, em objeto de desfrute.
(?) E coisando aqui com meus botões, pergunto-me se este texto é coisa que se publique. Enfim, decido! Essa “coisa” é muito “coisa nossa!” (meio mafioso, não?)
Esta crônica foi escrita em 2008, em pleno aniversário de minha irmã.