Afinal, para que serve a literatura?

Que me perdoem os ilustrados, os conservadores e afins, mas em certas ocasiões, implico um pouco com a palavra literatura. Não que ela não seja bonita ou não seja adequada. Pelo contrário. É agradavelmente bela e aplicável a um tipo específico de escrita que se grava em diferentes tipos de expressão, chamados de poemas, contos, novelas, romances etc. Porém é uma má palavra, quando vista de um lugar mais abrangente. Explico:  literatura vem do latim littera (letra). Mas a arte produzida com as palavras vai além da escrita com as letras. Que o digam os griots africanos, essas criaturas abençoadas com o dom de dizer; que o digam também os contadores de histórias, que são os funcionários do vento, porque a arte oral de contar histórias é como a energia que circula na ventania: balança os cabelos de quem escuta e desaparece assim que se cala a voz do narrador.

De toda maneira, mais que as futilidades de minhas implicâncias, o que me interessa comentar com vocês é a finalidade da literatura. Para que serve essa deusa evanescente que faz cócegas na mente de quem escreve ou narra e ronda a cabeça de quem lê ou escuta?

Posso estar sendo insensata, mas penso que a literatura, seja oral ou escrita, não serve para comunicar, mas sim para produzir alguma coisa que se partilha como quem partilha o vinho, o pão e a dança.

“Escrever e ler (e eu acrescentaria falar e escutar) são um rito eucarístico: comer carne e beber sangue” - diz Rubem Alves, na orelha do livro Perguntaram-me se acredito em Deus, sendo fiel a seu pensamento de pastor presbiteriano e autor de livros educacionais e religiosos.

Educação e religiosidade à parte, embora os textos criados no contexto de experiência religiosa cristã estejam em evidência (haja vista os prêmios recentemente concedidos à poeta mineira Adélia Prado), eu diria que tanto escrever quanto contar oralmente histórias fazem parte de um ritual mágico em que os corpos de quem escreve ou fala e os de quem lê ou escuta se transmutam em um só corpo, materializado e eletrizado pelo fluxo de energia da leitura ou da escuta.

É simples assim. E talvez seja essa a finalidade primordial da literatura. Talvez tudo o mais que possa ser dito sobre essa misteriosa comunhão de corpos extrapole e faça parte das preocupações com exigências mirabolantes de pesquisas teóricas, sociais, identitárias etc. Ou, então, seja uma invenção de gente muito preocupada com as láureas do poder acadêmico, com as contorções dos assuntos literários em moda, com as firulas da vaidade, para provar uma erudição não raro postiça. Não me arrisco a saber.

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