Os seres humanos, em especial os que escrevem literatura, estão cheios de fantasias. Mas escrever literatura não é simplesmente soltar fantasias sobre o papel ou na tela do computador. Para que um poema ou uma ficção sejam consolidados, para que uma personagem de um conto ou de um romance tome forma, para que uma ação narrativa se desenrole, é necessário que a escrita literária produza uma transformação imaginativa das pessoas, das coisas, dos fatos, dos acontecimentos, das realidades que se sucedem, continuadamente, no mundo.
Essa transformação não é passiva. Mesmo porque o mundo, seja histórico ou seja fantástico, muda a cada instante, jamais é o mesmo. Antes de tudo, é preciso que quem escreve conserve uma certa liberdade mental e tenha certeza de que o pensamento, posto a serviço da criação literária, não será interrompido; de que a flutuação do pensamento não será arrebatada por qualquer outra coisa que lhe roube a atenção.
Nesse sentido, a escritora Tillie Oslen, em seu livro Silences, diz que todas a grandes escritoras da literatura ocidental, antes do final do século XX, ou não tinham filhos ou tinham empregadas domésticas para cuidar deles o tempo inteiro.
Ironias feministas à parte, uma coisa é essencial: para transformar e transcender as experiências das realidades do mundo e do cotidiano, a imaginação tem de interrogar, provocar, conceber alternativas que talvez envolvam a própria vida de quem está escrevendo naquele momento.
Assim, quem escreve tem de estar livre para jogar com as ambiguidades dos sentimentos e das experiências das criaturas diante do mundo. Tem de considerar que o dia pode ser noite, que o amor pode ser ódio, que a felicidade pode ser infelicidade.
Porque escrever é renomear, afinal. Para fazer literatura, nada pode ser considerado imutável ou sagrado. Tudo pode ser transformado, desfigurado, refeito, torcido, violado diante da imaginação.