Pequena digressão sobre censura, sexualidade e erotismo

A censura é um ectoplasma exteriorizado por muitos dos chamados “gestores da cultura”. Título estranho, aliás, pois pressupõe que a cultura - essa coisa livre, leve e solta - possa ser recolhida de seu campo de liberdade total para ser posta sob a gerência de alguém. Melhor seria dizer “gestores dos bens, das obras, do dinheiro etc.”, quando se trata do setor cultural. Mas não é sobre isso que quero falar. Por ora, estou a pensar por que a sexualidade e o erotismo ainda são tidos por muitos como uma transgressão que merece a punição da censura.

Esse modo de ver se estende às representações artísticas na literatura, no cinema, na pintura etc.  É resquício da teia que nos foi legada pelo modelo cultural cristão, em que o erotismo e a sexualidade são vistos como coisas vergonhosas e estão definidos pela noção divina de bem e de mal. Por sua vez, as sociedades mais ávidas pelo acúmulo do capital e pela valorização da retenção de renda tendem a considerar a o erotismo e a sexualidade como um excesso que extrapola a moral e os bons costumes e que, como todo excesso, deve ser reprimido, gerenciado, posto sob controle. E é assim, sobre esses dois pés de barro, que nasce a censura da sexualidade e do erotismo, sobretudo nas artes.

Antes que alguém muito entendido no assunto me venha tachar de analista de araque, eu explico: falo de cadeira e de experiência. Em 1991, tive um livro censurado: Aqui começa a dança, da editora Marco Zero, do Rio. Foi publicado em 1985. Era um pequeno romance em que eu narrava a vida entrelaçada de três personagens femininas. Os editores consideraram “uma história corajosa, irônica, inesperada, repleta de humor e de situações tão bem construídas que os leitores vão se surpreender com a pós-modernidade do texto”.  Mas umas senhoras que exerciam a função de censoras junto ao Ministério da Educação da época taxaram o livrinho como “pornográfico” e exigiram sua proibição.  Até hoje não sei o que causou a ira das ilustres madames. Mas resultou em muita matéria na mídia, muita fofoca de “comadres”, muito “cancelamento” do livro, muito bate-boca de estudiosos da literatura e, finalmente, no esgotamento de toda a edição.

Confesso a vocês que, de minha parte, adorei ser entronizada entre algumas queridas escritoras “mal-ditas”, que iam de Adelaide Carraro a Hilda Hilst! E foi este o retumbante efeito: continuo a nunca renunciar ao que desejo escrever e a persistir em me sentir livre para escrever sempre e o que bem quiser.

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