Alguém me pergunta por que digo que sou “escritora de ficção” e não cronista, contista, romancista. Na verdade, sou a mistura de todos esses títulos que remetem aos gêneros literários e amigavelmente “conversam” com os textos que publico ou já publiquei. Sim. Sou promíscua, em matéria de escrita. Mas toda essa promiscuidade bendita se funde na minha ideia de ficção. Eu explico: para mim, escrever ficção é usar a escrita para dar forma às realidades que me cercam.
E quando falo em realidades não estou me referindo àquele modo tradicional de pensar de um certo “realismo”, que dominou as correntes literárias em oposição ao romantismo. Ou seja, não se trata de uma reprodução da realidade, tão magnificamente presente no detalhamento dos sentimentos humanos (ver Madame Bovary, de Flaubert), ou na aguda observação da sociedade de um tempo (ver Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis). Trata-se, antes, daquilo que diz a pesquisadora Josefina Ludmer, em seu livro Aqui América Latina: uma especulación: a literatura é “um dos fios da imaginação pública que, portanto, tem seu próprio regime de realidade: a realidadeficção”.
Bem entendido que aqui não se trata de “ficção científica”, subgênero literário baseado em fatos científicos e reais para compor enredos imaginários (aliás, de que muito gosto). A ficção é uma fusão de todas as categorias de realidades, sejam elas as realidades históricas, políticas, sociais ou as realidades mágicas, potenciais, virtuais. Vista dessa maneira, não é a verdade, nem é a mentira. Não se reparte entre o falso e o verdadeiro. Entendo que a ficção funde o verdadeiro e o falso em uma única banda que aponta para uma união indissociável entre o empírico e o imaginário.
Assim, respondendo à amável pergunta posta lá no início, quando me classifico como “escritora de ficção”, quero dizer duas coisas: a) meu conceito de literatura não se prende a uma autonomia do campo literário com seus componentes de autor, gêneros, divisões tipológicas etc. (como costumam considerar certas disciplinas canônicas, presentes em cursos e em academias); b) minhas experiências de vida estão presentes em cada uma das minhas escritas ficcionais (o que não significa que as minhas escritas ficcionais sejam autobiográficas). Podemos discutir isso em outra ocasião. Por ora, talvez estes sejam pequenos subterfúgios, pucarinhos de literatura, tentativas de justificar certos mistérios que ocorrem a quem escreve ficção. E que, às vezes, nem eu mesma consigo entender.