Mata fria

Noite escura. Para enganar o frio, mãos perto da chapa do fogão. A lenha riscando os altos escuros da cozinha com chispas estalantes. Depois, café quente e peneiras de taquara cheias de crostollis.

As conversas:

“Esse frio não é nada. Frio mesmo é na Mata Fria, lá bem pra cima.”

“Mas hoje também faz frio. Olha minha mão como está roxa”.

“Roxa? Isso lá é frio? Na Mata Fria a mão fica dura como um pedaço de pau”.

“Mas...”

“Não tem mas. Nem se compara. Para a mão ficar outra vez solta no punho é preciso colocá-la bem perto, quase dentro do fogão”.

“Queimando? Não dói?”

“Não. Tira depois de um pouco de tempo e nem parece.”

“Como se chega à Mata Fria?”

“De burro, porque cavalo não aguenta a subida. É muito morrada. Mato fechado. Quando se entra não se sabe se é noite ou dia. Parece sempre noite. De vez em quando acontece de um animal ser picado por cobra surucucu que tem muita por lá e então o burro morre e o cavaleiro se não for picado e não morrer também fica perdido na mata. Foi o que aconteceu com o Luiz Juliatti, daquela família que mora para os lados de Sagrada Família. Desapareceu durante um mês, todo mundo procurando e só foi aparecer em Boa Sorte já meio bobo da memória. Na Mata Fria não tem tempo de calor. É frio que não acaba. Depois de entrar por uns duzentos metros, se não estiver com pelo menos duas capas gaúchas, tocas de meia na cabeça e luvas de meia nas mãos, não vai resistir por muito tempo. Tem também de aprender a se defender dos bichos brabos. Como a suçuarana, uma onça. Outro exemplo, o macaco chamado de barbado que é do tamanho de um homem pequeno. Vive na Mata. Quando começa a roncar é melhor ficar parado porque ele pode se aborrecer. Estraçalhou mais de um. Pior que o barbado é um bando de queixadas, uma espécie de porco, que resolve às vezes quebrar tudo o que encontra pela frente. O mais curioso é que as queixadas respeitam burro e cavalo. Passam por eles e não lhes dão nenhuma dentada com aquele dente que parece mais um grupião. Perguntei um dia ao Zé da Tropa como seria possível escapar dos perigos da mata e ele me disse que só com reza do livro de São Cipriano. O padre ouviu e ficou uma fera porque isso era feitiçaria. Mas talvez fosse bom acreditar nele porque o Zé da Tropa é dos que mais conhecem dos segredos da Mata Fria. Todos os anos entrava nela com seus burros que transportam café. E a história dos sumidouros descritos por ele até com uma certa tristeza? De repente a terra se abria e engolia tropeiros e animais. Ele nunca foi engolido, mas ali perdeu três burros, não, minto, dois, porque um apareceu mais adiante todo estropiado, mas sem as cangalhas de café.

Lá fora, a noite misteriosa.

 

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