O prisioneiro

Fomos por uma estrada de terra e chegamos ao pé de uma pedra de altura surpreendente. Uma enorme bola de pedra com uns cinquenta metros de diâmetro, isolada no meio do pasto, enfeitada de gravatás no topo e de uma sucessão de abismos insinuados pelas fendas despencando abruptamente nesse pasto coalhado de bananeiras e papoulas vermelhas. Ao redor, coisas antigas como despreocupadas galinhas ciscando no terreiro limpo. 

Estamos no coração da cordilheira que, no entanto, não se mostra como tal a não ser, como em nossa viagem de vinda, por indícios de penhascos veementes que surgiam de repente em vazios assustadores e que então nos faziam, instintivamente, recuar o mais possível para o interior do automóvel.

Mas agora era só a pedra enorme ali, bem próxima, que podia ser observada sem receio. Não longe dela, a casa donde nos convidam para o almoço. Comidas fortes, fartas de gordura e carnes que indicam hábitos de defesa contra os ventos gelados que sopram dos grotões da cordilheira escondida. Cerveja quente porque não há luz elétrica, a geladeira é a querosene e o querosene acabou.

Depois do almoço, Teotônio, o anfitrião generoso, nos convida para o “ato” que será celebrado numa casa que fica do outro lado do grande quintal. Entramos e lá já estavam os músicos com seus instrumentos de sopro executando um número que não saberia qualificar, mas que se destacava pela grande intensidade. Falo em intensidade, mas talvez o mais próprio seria falar em estridência. Cada executante, em número total de nove, procurava soprar seu instrumento com o máximo de sopro que seus pulmões conseguiam. O resultado era caótico e produzia uma espécie de inflamação no meio-ambiente. Os participantes do “ato”, em número aproximado de vinte, sentavam-se numa grande mesa cheia de velas acesas apesar da farta luz do dia que entrava pelos janelões abertos. Pessoas de olhares mortiços. Algumas debruçadas sobre a mesa como se estivessem dormindo. Mas não estavam. Vi um dos que estavam debruçados sair da mesa. Veio para a porta da frente e ficou olhando para o pasto, para a grande pedra. A nítida impressão de que pressentia a cordilheira em toda sua extensão. Conhecia todos os seus meandros, já que era seu prisioneiro. Em seus olhos, a marca de um desespero mudo.   

 

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