Vírgulas

Sem que eu saiba o motivo pularam fora deste texto todas as vírgulas que nele eu havia posto. Mas como foi uma fuga sorrateira – algo que nunca soube tivesse ocorrido a qualquer outro cronista – só dei pelo fato ao reler o que havia escrito.

Cadê as vírgulas que estavam aqui foi o que perguntei quando não as deparei onde as havia virgulado. O gato comeu?

Às vezes sou um sujeito determinado.

Levado por essa determinação esporádica não me dispus a substituir por outras as vírgulas desaparecidas para o que bastariam alguns ligeiros toques no teclado do computador. Decidi que haveria de ter de volta as vírgulas que se escafederam porque eram aquelas vírgulas e não outras que eu queria no texto.
  
Desagradou-me profundamente o fato de que tivessem escapulido para lugar incerto e não sabido sem a consideração de um pedido de licença ou sem a gentileza de um pré-aviso. Por que agiram dessa forma? Não apreciam o meu estilo literário não gostam da temática de que me valho sentem-se diminuídas em servirem à minha pontuação preferem figurar em trovinhas e letras de músicas gospel ou nas crônicas de outros confrades escritores?

Há gosto para tudo não ignoro e se é este o caso das vírgulas que me abandonaram acredito que pudéssemos chegar a um acordo para evitar a fuga que empreenderam em massa sem um ruído sequer sem um estalido de dedos num tchau de despedida ou sem um passe bem que nunca mais voltaremos! Por que oh Nossa Senhora das letras e das frases pelo menos não gritaram antes de partir que as vírgulas unidas jamais serão vencidas?

Os que me conhecem sabem que sou uma pessoa de índole conciliatória. Seria tão simples se as vírgulas formassem uma comissão de frente para discutir comigo um acordo que lhes garantisse continuidade no texto que escrevi. Creio mesmo que é esta – a instituição de uma liderança representativa - a regra número um dos manuais das greves (porque deve ser este o caso das fujonas) antes que sejam deflagradas ou se deflagradas para encontrar soluções pacificadoras entre os lados opostos. Se fracassarem as tratativas de entendimento aí sim é que se passa ao embate direto à medição de força ao cabo de guerra do quem pode mais sob o silvo estridente dos apitos.

Desta forma ao partirem sumariamente para o confronto grevista sem que pelo menos 30% delas ficassem na ativa como também é regra obrigatória a ser seguida em matéria de greve as vírgulas que pularam fora do meu texto plantaram entre mim e elas uma trincheira belicosa difícil de ser desfeita.

O pior é que tendo sido apanhado desprevenido não me passa pela cabeça a razão pela qual estamos em estado de enfrentamento. As fujonas deixaram-me no ora veja sem nenhum indício de descontentamento da parte delas sem qualquer ultimato decente que me colocasse a par das suas possíveis reivindicações.

Nem os nazistas agiram de forma tão insólita ao atacarem a Polônia em 39. Houve indicativos claros de uma invasão anunciada por culpa do corredor polonês e para quem soube ler tais anúncios uma vírgula era letra. Winston Churchill que o diga.

Comigo porém as vírgulas me reservaram o desprezo com que fui tratado. Desprezo cumulado com falseta. 

Não escondo que estou injuriado. E quando a mágoa se instala no coração do homem torna-se difícil superá-la diria o Conselheiro Acácio ultimamente relegado ao esquecimento e ao desuso.

Mas ainda estou disposto a dar uma chance às vírgulas que me deixaram. Não que eu queira bancar o magnânimo. Não é por aí que minha proposta deve ser entendida. Minha disposição de conciliação vem da absoluta necessidade de ter novamente as vírgulas no meu texto não há razão para mentir.

Se isso não acontecer até o meu próximo escrito então fiquem sabendo as vírgulas que me largaram que vou alijá-las em definitivo dos meus rabiscos. Elas e toda a sua categoria! Se há autores tirados a inovadores que escrevem sem usar maiúsculas no inicio dos parágrafos ou sem fazer ponto ao longo do texto por que não poderei escrever sem recorrer a vírgulas? Ou por que não as substituir por ponto e vírgula? Quem sabe se agindo desse modo não estarei me credenciando a ser consagrado como um escritor de estilística original digno dos mais sofisticados estudos acadêmicos? Quem sabe não será este o passaporte para o meu ingresso nas academias de letras do país pelo que ainda terei de ser grato às vírgulas ou à falta delas por lograr tão gloriosa imortalidade?

Fiquem pois as vírgulas avisadas: ou botam fim a sua picardia inexplicável e voltam mansamente para o meu texto ou serei eu que as deixarei de lado para sempre.  Quem avisa amigo é e estou tendo para com elas a consideração de preveni-las o que não tiveram comigo.

Até lá decidam o que vão fazer senhoras vírgulas!

Ora vírgulas!

 

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