Wilson Coêlho: um diabo no paraíso

Gilbert Chaudanne

Nesse livro, NOSOTROS, Wilson Coêlho representa ou apresenta uma face diferente de tudo o que escreveu até agora. Seus livros tinham um caráter dionisíaco. Aqui é um pouco diferente, se trata de uma espécie de testemunha de sua viagem à Cuba; ele não é o que sai da boca de Wilson Coêlho (Deixem-me Falar), mas o próprio país (Cuba) e o autor faz um trabalho de pesquisador. Ele olha a realidade de Cuba sem preconceito contra ou a favor. Wilson Coêlho se deixou levar pelo coração quando ele vê a condição das crianças. Dá a impressão de que temos um país que sobrevive apesar do “blocus continental” orquestrado pelo “Tio Sam” (desde que os USA boicotaram a Ilha) e Wilson Coêlho nos mostra que Cuba não é um país de delírio como a Coreia do Norte. Também não corteja os países dito ricos, e tem um vizinho que manda e desmanda no mundo.

O que vai sobrar de tudo isso? Eu acho que vão se formar vários blocos como já temos (Europa, Ásia, idem). É difícil opinar sobre o regime de Fidel Castro porque as informações que tínhamos eram vagas e até mentirosas.

Cuba, segundo Wilson Coêlho, se parece bastante com o Brasil; e é algo muito fino e delicado, justamente essa delicadeza da qual Rimbaud menino-poeta falava, dizendo que nós a perdemos por causa do mundo-ogro e reinos dos fortes, das máquinas.

Se diz que é um romance, mas é uma narração. Testemunha. Wilson Coêlho diz a verdade? A contra-corrente do que se fala normalmente – “A Europa é triste, perdeu o senso do sorriso.” (Camus)

O estilo é dos mais simples, enxuto, não tem aqueles “joyceanismos” dos outros livros; agora não é a linguagem que é o principal personagem. Para Wilson Coêlho tem uma obra se construindo sobre “as coisas vistas”, de Victor Hugo, em relação à revolução de 1848.
“Nosotros” é uma evidência limpa como um poema de Verlaine. Talvez seja o “óbvio ululante”, de Nelson Rodrigues.

Wilson Coêlho observa que essa narração mostra certos traços semelhantes e o mais evidente é o fato de Vitória e Cuba serem ilhas. Uma, a primeira, como sendo “encaixada” no continente como um feto na Terra Mãe; ilha, pois, “fechada”. A outra, Cuba, completamente solta como um barco, mas – paradoxalmente – vítima do “blackout” dos USA que quer afundar o barco. “A Ilha Misteriosa”, “A Ilha de Thule”, Atlântida!... o fechamento do espaço da Ilha é ao mesmo tempo fechado (como sair dela?) e aberto, já que seu litoral pode nos levar a qualquer lugar ou a lugar nenhum. A ilha tem a ver com o paraíso (ver um filme americano sobre esse tema). É o paraíso reencontrado: mas é também o inferno, já que a ilha é um esconderijo para os piratas. A foto da capa de qualidades estéticas, mas dá a impressão de que estamos num país onde teve uma guerra e um bombardeio. A ilha mostra um mundo parado no tempo e espaço vazio da solidão de Cuba diante dos USA. Ilhação. Solidão que permite a Cuba de escapar da sociedade de consumismo e oferece mais humanidade que essa. O tempo numa ilha é circular e isso é a marca dos deuses.

Nós temos: “Nossa Senhora do consumo”, olhamos como esse país que não passa a ideia de alienação, um país que é rejeitado pela comunidade internacional.

O ar de pobreza não está gravado nos rostos e percebemos uma espécie de afinidade natural.

Obviamente, com o “blackout” internacional a ilha poderia ter sido afundada. Mas não. Sem o apoio da URSS doravante morta, poderíamos pensar que Cuba ia desmoronar. Não, quer dizer, o sistema cubano consegue viver sem os vícios da sociedade de consumo. E a vida é difícil, é frágil, mas quem diz que ela é fácil? Ela é, sim, frágil como uma moça ou uma rosa: fonte de vida e não de morte. Como o Vietnam e a Praia dos Porcos, nome predestinado...

Num mundo preso nas redes de comunicação, Wilson Coêlho desperta em nós um sentimento indispensável: a Esperança.

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