A coletânea Vida e Morte à Sombra do Jaspe constitui-se de contos com múltiplas temáticas. Os diferentes matizes textuais propiciam a inusitada imbricação entre fatos reais e fictícios, entre a vida e a morte. O realismo fantástico domina grande parte das histórias. Porém, algumas delas trazem doces lembranças da infância e da adolescência do autor, refletindo, de um lado, a singela alegria, e, de outro, a grande e perturbadora melancolia. Uma vasta gama de influências literárias, ilustrada pelas epígrafes de grandes escritores, nacionais e internacionais, traduzem o gosto requintado pela leitura. Há um entrecruzamento entre todas essas vozes, sempre conectadas aos respectivos textos que se seguem. O escritor constrói, assim, uma obra intertextual e plural, sem se desviar de sua absoluta originalidade.
A ideia matriz que perpassa grande parte do livro é a interferência, a um só tempo, nefasta e benéfica, de um narrador-personagem, descrito logo no primeiro momento. A partir de então, ele assume o comando das narrativas e dos acontecimentos. É um narrador que se posiciona, ora como onipresente e participante dos fatos, ora como onisciente, na condução do destino dos demais personagens. Torna-se um “leitor” voraz da mente humana, satisfazendo os mais extravagantes e inconfessáveis desejos das pessoas. Instaura a desordem na vida dos calçadenses e arredores. Nada do que diz é verídico, mas tudo reflete a mais cristalina verdade. Vive nas ruas, desde a trágica infância, sob a orientação de seu único mestre – o demônio.
Nesse contexto incomum, as pessoas reais encontram-se fora de seus devidos lugares, e as imaginárias, em locais verdadeiros. Algumas narrativas, que têm como pano de fundo a Fazenda Velha, ou a construção da Usina S. José, conferem alguma veracidade aos fatos. Mas a fantasia intromete-se nessa autenticidade e os acontecimentos distanciam-se da vida material. As histórias, passadas na pequena São José do Calçado transmutam-se, igualmente, em uma estranha e fantástica realidade: personagens reais, ou imaginários, vivenciam situações verídicas, em meio a acontecimentos desconexos e inimagináveis.
Assim, um mundo concebido totalmente às avessas elucida uma visão crítica da sociedade local, com a personificação da grande metáfora da humanidade, em suas eternas particularidades e contradições. Como um discípulo fiel do demônio, o narrador mergulha no âmago dos seres, testa seus limites, leva-os ao desespero pelo peso da existência, ou alivia suas dores com a morte.
Aos leitores, um convite para enveredarem por este universo real-fantasioso! Muitos hão de se encontrar nestas narrativas. Outros poderão repeli-las, por se sentirem feridos em seus valores sagrados. Mas a ficção tem os seus encantos: é o espaço dos sonhos, através dos quais se realizam as mais íntimas e loucas fantasias. De outra, é neste mesmo mundo fictício que se podem libertar os instintos humanos, por mais selvagens e perversos que sejam.