Uma vitrine para a literatura

Francisco Grijó

Lembro-me de um debate sobre livros e escritores em que um professor foi assertivo ao afirmar que a literatura era a prima pobre das artes. De início, a pequena plateia, composta por escritores, poetas, editores e leitores, ensaiou um breve protesto - imediatamente solapado pela constatação de que o professor estava certo. Sim, a literatura não goza do prestígio popular da música e do cinema; não tem a devoção que muitos dirigem à pintura e à escultura. A dança, quando não a popular, goza de uma elitização saudável - principalmente quando se trata do ballet, com seus grand battements en croix e pirouettes sur le cou-de-pied. Nem vou falar de arquitetura, que muitos dizem que nem arte é.

Sim, a literatura não tem grandes apelos. Primeiro porque é uma arte solitária, sem uma cadeia de produção que lhe dê o benefício de poder repartir o fracasso. Segundo, porque seu consumo exige, na maioria dos casos, paciência, concentração e tempo. Há manifestações artísticas que, em muitos casos, abolem esses três elementos. Música, por exemplo. Calma: eu disse em muitos casos. Poetas, prosadores e dramaturgos - e seus devidos femininos - não são badalados como cineastas, pintores ou bailarinos. Eis a questão: apesar de tudo, vamos em frente. Continuamos a escrever, a publicar e, sempre que possível, a divulgar o trabalho - a despeito do interesse alheio, que nem sempre brota do chão.

O podcast Vitrine Literária com Francisco Grijó - sim, esse é o título, deveras cabotino e quase alexandrino - tem este objetivo: divulgar, mas não somente. Discutir literatura, tendências, levantar debates, estabelecer diálogo entre as letras e as outras mencionadas artes, revelar talentos, proporcionar trocas de informações e daí para a frente. Sempre privilegiando a produção doméstica, espírito-santense.

O programa nasceu livre, apesar de se resumir, em sua estrutura, a um estúdio de tevê. É livre porque, distante de qualquer expressão que cerceie sua difusão, existe para servir também à liberdade, matéria da qual a arte (e a literatura, em particular) se alimenta. O programa está, no momento em que produzo este texto, em sua 65ª edição. Já passaram por lá poetas, professores, rappers, romancistas, novelistas, dramaturgos e editores. Já se falou em erotismo, psicanálise, cinema, feminismo, música, política, ciência, esporte, periferia, psicologia, racismo, pintura, quadrinhos, comportamento, sociedade. Tudo isso conectado, evidentemente, com o propósito central do podcast: a literatura, essa prima pobre, que merece mais do que apenas enriquecer.

Não se pode tirar o mérito da TV Vitória. A ideia de um podcast literário - que também vai ao ar em forma de imagem, via YouTube - não é minha, mas dos diretores da rede. Eu capitaneio a ideia, e levo o barco para a direção que considero produtiva e proveitosa. Deram-me essa liberdade e espero que não sejam afeitos a arrependimentos. Vamos em frente, tentando fazer, com honestidade, o trabalho de servir à literatura, porque ela nos ampara e nos acolhe, sem nada pedir em troca. Carlos Drummond de Andrade, nosso poeta maiúsculo, afirmou: “Lutar com palavras / é a luta mais vã. / Entanto lutamos / mal rompe a manhã.”

Nada mais certeiro, Carlos.

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