Roberto Almada (1935-1994), professor, crítico literário, dramaturgo, contista, romancista e poeta, nos deixou, também, comentários jornalísticos. Alguns de seus livros continuam inéditos. Em 1985, ganhou o Prêmio “Geraldo Costa Alves” com a obra O País d’el Rey & a casa imaginária, publicada, no ano seguinte, em 1986, pela FCAA-UFES.
Almada era escritor, mas um bom leitor. Apreciava os escritores ingleses, franceses e os hispânicos. A propósito destes últimos, menciono, como exemplo, o poema “Suave elegia a Juan Ramón Jiménez”, da obra Dissertação sobre o nu (ALMADA, 1990). Nesse poema, Almada, sensível à magia do poeta de Moguer, sintetiza, em sete dísticos, as características do universo poético do escritor espanhol. No último dístico, reconhece-o como mestre e deixa clara a origem andaluza de Jiménez na imagem do horto branco: “Horto, pluma, branco./ leva-me em tuas asas”. Na mesma obra, no poema “Retrato da amada” (p. 112), há ecos dos poemas de Pablo Neruda “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada” e também dos “Cânticos dos cânticos”, de Salomão, pois a Bíblia é outra fonte de diálogos do poeta.
O leitmotiv, na poesia de Almada, é a constante referência à amada. Quase sempre, é bem tangível. Em Dissertação sobre o nu, menciona fragmentado o corpo de sua amada: “ventre”, “pernas”, “voz”, “lábios” e “olhos”. O poeta diz, no mesmo livro, que a amada lhe dá tranquilidade, quando está por perto, que são tranquilos os olhos dela, quando dorme.
Há poemas de Almada intensamente eróticos. Citamos os seguintes versos de “A Cavalgada”: “Fogo, o teu ventre/ em que me ardo, e tu/, tu não o dominas”. Em seus poemas eróticos aparecem símbolos fálicos, tais como: “adaga”, “serpente”, “pincel”, e eróticos como: “dorso de cavalo”, “lúbrica amazona”, “cavalgada”, “galope”, “fogo”, “corcoveio”, etc.
Citamos, ainda, um poema erótico, no qual contribuem palavras e imagens, “Partes, repartes” de A casa imaginária (p.71):
Só o insone
Sexo
não será ex
posto
posto
que é sexo e não o rosto.
Neste poema o poeta brinca com conceitos e palavras. O sexo é sentido como uma energia que chega à fascinação. O fálico desse poema se mostra na semântica das palavras, na disposição gráfica e nos espaços em branco.
Sobre esse poeta da emoção, simplicidade e ternura, elementos componentes da poesia, no prólogo de O país d’el Rey & a casa imaginária, Luiz Busatto disse que “é da raça dos poetas fortes. E um poeta, desde que o seja, é sempre do seu momento, do seu tempo e para todo o sempre”. Mas o homem autêntico mostra-se muito mais em seus versos que em sua prosa. Neles estão as suas fantasias e devaneios, que são o resultado de sua imaginação triturada pelos afetos e pela dor. Seus versos, mesmo os narrativos, são melodia. Mas diferem da música, porque essa ultrapassa a fronteira do visual ao exprimir a intensidade e os sentimentos subjetivos por meio de vibrações sonoras e eles, além de basear-se no princípio de percepção da alma, têm a possibilidade de expressar a vida exterior por meio da palavra.
Os poemas de Roberto Almada são um reelaborar artístico da realidade. O poeta encobre o seu interior, deixa oculto o que não merece ser exibido, como uma casa onde “por dentro muito segredo/ por fora silêncio e medo”. Ele constrói o seu mundo poético. Seleciona o espaço, limpa-o e recobre-o com palavras que vão escamoteando um objeto, substituindo-o por outro, evitando o “real”. Cabe ao leitor buscar o que não diz, silencia e não mostra. Seus poemas são um elo unindo a poesia e o homem. Sobre eles poderíamos dizer, com palavras de Otavio Paz (O arco e a lira), que são como “um caracol onde ressoa a música do mundo” e as “métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, de harmonia universal”. Seus poemas, essencialmente líricos, pois se engendram na zona central da psique – a dos sentimentos –, se orientam em direção a valores universais. Daí a eternidade dos versos almadinos.