Revista Ímã

Fatos sobre Ímã

Quem edita Ímã

Número 1
Edição de Texto
Sandra Medeiros – Marco Antônio Neffa
Edição Gráfica
Sandra Medeiros e Ivan Alves

Número 2
Edição de Texto
Sandra Medeiros – Waly Salomão
Edição Gráfica
Sandra Medeiros e Ivan Alves

Número 3
Edição de Texto
Sandra Medeiros – Paulo Leminski
Edição Gráfica
Sandra Medeiros e Ivan Alves

Número 4
Edição de Texto
Sandra Medeiros
Edição Gráfica
Sandra Medeiros e Ivan Alves

Número 5
Edição de Texto
Sandra Medeiros – Marcos Tavares
Edição Gráfica
Sandra Medeiros e Ivan Aves

A revista Ímã teve lançamentos em Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

O número um
Vitória - Ilha da Fumaça
Rio - Livraria Dazibao, em Ipanema
São Paulo - Faap

O número dois
Vitória - Ilha da Fumaça
Rio - Mistura Fina, em Ipanema
São Paulo - Singapura Slimck

O número três
Vitória - Galeria Usina
Rio - Casa de Cultura Laura Alvim
Brasília - Fundação Cultural

O número quatro
Vitória - Galeria Santa Luzia
Rio - Museu de Arte Moderna

O número cinco
Vitória - Fafi
Rio - Livraria do Museu da República

Ímã publicou, entre outros:
Paulo Leminski - José Paulo Paes
Haroldo de Campos - Augusto de Campos
Júlio Bressane (entrevista) - Caetano Veloso (entrevista)
Wally Salomão - Elisa Lucinda – Antônio Cícero
Jorge Salomão - Marcos Tavares
Alice Ruiz - Valdo Motta
Luiz Melodia - Vítor Ramil
Juó Bananeri – Oliverio Girondo
Matsuó Bashô – Juan Gelman
Leo Masliah – Nelson Ascher
Reinaldo Santos Neves - Guilherme Mansur
Maria do Carmo Ferreira - Kátia Bento
Ricardo Basbaum - Ana Durães
Trimano - Lula - Ana Durães - Burle Marx - Lando - Liberati

Ímã faz arte dos acervos
Biblioteca da Ufes
Coleção Plinio Doyle (Casa de Ruy Barbosa)
Coleção José Mindlin
Biblioteca do Congresso, em Washington
Biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil

Ímã foi notícia – entre outros – em:
Revista de Domingo - JB
JB – Chamada de Capa e Caderno B
Folha de São Paulo
Estado de São Paulo
A Tribuna
A Gazeta
Correio Braziliense

 

Entrevista com Sandra Medeiros

A revista Ímã, editada por Sandra Medeiros, completou 23 anos
de existência em 2008 e continua sendo uma das experiências
mais significativas no mundo editorial capixaba,
isto porque, além de publicar e lançar grandes escritores,
contava com primoroso acabamento gráfico e tornou-se
uma referência.
Lançada em 1985, a revista Ímã teve cinco
edições, as três primeiras editadas em Vitória,
as duas últimas, no Rio de Janeiro.

A entrevista de Sandra Medeiros diz tudo sobre Ímã.
Surgiu de uma conversa entre ela e o escritor Pedro J. Nunes
numa manhã de sábado, na Livraria Logos, e
se estendeu pela frieza dos cabos de fibra ótica.
Foi só mandar algumas perguntas pela rede e Sandra Medeiros
rasgou o verbo num cálido bate-papo que
aqui vai, compartilhado, na íntegra.

PEDRO J. NUNES: Por que seu interesse por bibliofilia? Quem a conhece sabe desse seu interesse, e seria interessante que você contasse essa história.

SANDRA MEDEIROS: Sempre gostei muito de livros. Desde criança. Os primeiros livros que me lembro de ter lido foram Lili – primeiro ano, Grupo Escolar – Simbad, o Marujo; Marco Polo; trechos da Bíblia; um maravilhoso livro-cartilha ilustrado, da infância de minha mãe, que tenho ainda, e que mandei encadernar com capa de tecido grená; um outro de extratos da Bíblia, com texto e ilustrações impressos em verde... e contos de fadas. Uma coleção de contos de fadas. Contos árabes, contos de Grim, fábulas de Esopo e de La Fontaine... A Moura Torta, o sofrimento de Amina e Zobeida...  No Grupo Escolar Chaves Ribeiro, onde estudei três anos, no nordeste de Minas Gerais – somos daqui, meu pai é de Vitória, eu nasci em Castelo, cidade da minha mãe, mas passamos seis anos entre os mineiros – as professoras também liam estórias. Cada sala de aula tinha o seu Clube de Leitura que a cada ano tinha um nome diferente, nome de escritor, escolhido por eleição. Fiquei desapontada quando sugeri Coelho Neto – queria um nome que as crianças da sala não conhecessem – e foi escolhido Monteiro Lobato, sugestão da minha irmã.

Mas antes de ler eu já gostava de livros. Íamos dormir – os quatro filhos mais velhos – com minha mãe lendo estorinhas: Bambi; Papai e Mamãe Pargo... Livros lindos: estórias comoventes, ilustrações que enchiam os olhos. Aprendi a ler um pouquinho antes da hora... a vida até meados dos anos 60 era organizada, tudo tinha hora, tempo e lugar. Eu estava sempre por perto enquanto minha mãe alfabetizava minha irmã. Ela usava, me lembro bem, uma cartilha maravilhosa, como nunca mais voltei a ver... Parecia um calendário gigante: espiralada, grandes páginas cor de laranja e letras, sílabas e palavras em preto... Um dia, passa uma caminhonete em frente à nossa casa, em velocidade normal, e eu, da varanda, olho por cima do muro baixo e leio, alto: transportadora. Nem eu sabia que já estava lendo. Todos se admiraram. A partir dessa tarde o que mais tenho feito é ler.

E ler talvez seja o que eu mais goste de fazer. Acho que é genético. Meus pais também sempre gostaram muito de ler. De ler e de ouvir música. Minha mãe – que na juventude foi professora no interior de Castelo, lia de Fon-fon a Cena Muda, clássicos e bobagens. Lia e lê muito, ainda hoje. Meu pai, então, nem se fala. Foi um brilhante aluno do Colégio São Vicente de Paulo, muito admirado pelo grande professor José Leão... Meu pai tinha livros e livros e livros. Pilhas de livros. Castro Alves, Euclides da Cunha, Graça Aranha, Augusto dos Anjos... Lia muito. Ajudou a fundar o ginásio da cidade mineira onde moramos – Itaobim: pedra verde, lugar das turmalinas – fazia discursos, foi político, brizolista, adorava um palanque. Até hoje lembro os malões e caixotes de livros, porque não tinha, em casa, lugar para tanto livro e revista. Pois bem... se eu sumia, havia dois lugares aonde eu podia ser encontrada: em cima do pé de manga, no finalzinho do quintal, ou dentro de um malão, lendo. Lia tudo. Me impressionava, muito, o Velho Testamento. Não era uma imposição, nem mesmo indicação, essa leitura. Era mais um livro que estava ali, à mão, por isso eu lia. Nós, filhos não batizados por decisão do meu pai, que era católico, líamos o que líamos por prazer.  Aliás, havia outra fonte de leitura de que não posso esquecer: eu a-do-ra-va ficar ao lado do meu pai quando ele abria os caixotes de mercadoria da sua loja. Para embalar discos, lâmpadas, e outras coisas delicadas, usavam jornal amassado. Era com uma ansiedade muito grande que eu, com 7-8 anos, desembolava as folhas de jornal pra ler os quadrinhos dos Sobrinhos do Capitão (achava uma coisa genial representar o sono com a letra Z e um serrote cortando toras de madeira), Pafúncio e Marocas... Fui apaixonada por Flecha Ligeira, pelo Zorro da Bala de Prata (porque havia dois), e por Tarzan. Mas lia todos. Luluzinha ouvindo o canto da baleia permanece em minha memória. Só não lia fotonovelas.

Bom, com esse início foi natural gostar mais e mais de livros, jornais e revistas. O papel quebradiço da editora Pongetti – curioso é que com livros de tantas editoras diferentes, esse nome me marcou como um dos símbolos da leitura na infância – o cheiro inconfundível quando abria um malão daqueles, as páginas fechadas dos livros costurados e mal refilados, o medo de estragar um pedaço de página que fosse, ao abri-las com uma faca de mesa, de serrinha, a admiração pela colorido das capas das brochuras e pela beleza dos livros encadernados com capa dura. Lembro bem os livros de Castro Alves, Espumas Flutuantes... a capa verde de Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdam.

Eu sempre gostei muito, também, de jornal. Já adolescente, de volta a Vitória, lembro que meu pai comprava diariamente a Última Hora, e quase sempre quem lia primeiro era eu. Não perdia uma coluna do Stanislaw Ponte Preta. Quando ele comprava O Globo, eu lia Nelson Rodrigues, mas muita coisa do que ele escrevia me incomodava, eu não entendia, então passei a recortá-lo, pra ler depois. Outro dia achei um maço de suas colunas, recortadas, amarronzadas, quebradiças. Joguei fora. Papel jornal é frágil. Também ouvia muito rádio: criança, ficava por perto de meu pai, quando ele sintonizava a Rádio Mayrink Veiga, os comícios do Jango e do Brizola... até a Rádio Relógio eu ouvia.

Contribuiu muito para esse meu gosto cada vez maior pelos livros, e especialmente por leitura, uma curiosidade inata e uma vontade muito acentuada de aprender, de descobrir. Foi isso que me levou ao jornalismo, que só reforçou essa vontade. Fazia um jornal mimeografado no Colégio Estadual, mas o início da minha carreira de jornalista, adolescente ainda, foi em O Diário, no alto da Rua Sete. Composição a frio, com tipos móveis, e a quente, na linotipo, paquets, ramas e galés, O Diário tinha uma oficina meio gutenberguiana que me atraía muito. Alemão – que operava a linotipo, ao lado de Nêgo (um dos homens mais bonitos que já vi) e de Paulo Zimmer – percebeu isso. Amylton, que tomou-se de amores e de cuidados por mim, também percebeu isso. Algumas vezes, quando estava editando o Caderno Dois ou o Caderno Feio, Amylton descia comigo as escadas até a oficina. Em retribuição eu emprestava a ele meus livrinhos do Snoopy, presente de um casal de amigos norte-americanos, uma novidade aqui. Ver como se fazia um jornal era quase ver como se faz um livro e uma revista. Trabalhar ali foi aprender muito. Aprender a escrever para jornal e a gostar do processo de impressão. Isso desencadeou em mim uma vontade incontrolável de fazer livros, revistas e jornais. E de comprar. O salário era quase todo destinado aos discos da Lojinha Cacique e aos livros da Livraria Burda, às vezes da Âncora.

As edições da revista ímã são primorosas, principalmente no que concerne à parte gráfica. Outros livros seus também, inclusive um que você me mostrou, com um livro da bíblia. Por isso creio que você devesse falar um pouco sobre isso.

Revista Ímã foi uma maravilhosa aventura que acho que vou retomar, só não sei se mantenho o nome. A estética sempre pesou no que faço. Forma – de preferência com beleza – e conteúdo, quando possível, devem ter o mesmo peso. É difícil. A gente sabe que importa, sobretudo, o conteúdo, mas quando se trata de objeto, acho que é preciso perseguir esse equilíbrio.

Quando vou editar alguma coisa, um cartão-postal, que seja, penso no papel, na cor, no texto, na ilustração, no processo de impressão, no acabamento. O texto de um livro determina o papel que vai ser usado, o formato, a tipografia, a ilustração eventual. Aliás, ilustrar livro é uma coisa perigosíssima. Pra mim é o maior desafio. Um livro que tem um texto ruim você não compra. Se ganha, dá uma olhada ali, na hora, e abandona, não lê. Mas se o livro é ilustrado, só no folhear você já vê o que não gostaria... E nós não temos a tradição do desenho. Pena! Felizmente, temos muitos que querem desenhar. Infelizmente, só que poucos sabem. Pior: poucos querem estudar, se dedicar abnegadamente. É um número expressivo com o dom, mas sem a vocação. Tenho evitado fazer livro ilustrado, mesmo nas edições que dirijo ou coordeno no Curso de Desenho Industrial da Ufes. Lá, nas minhas turmas, eu e os alunos geralmente trabalhamos com desenhos e gravuras de nomes historicamente consagrados.

Voltando à forma e ao papel... Se há uma coisa que me faz perder a cabeça é papel. Entro na loja da Arjo e quase preciso amarrar a mão. Orgia, pra mim, só tem um significado: folhas e mais folhas de papel que eu posso ficar olhando e comprar para fazer cartões, livros e revistas. Tenho ciúmes dos meus catálogos de papel como tenho dos meus livros e dos meus filhos. São inestimáveis... São muitos: um catálogo de papel da Suzano, com seus revestidos e não revestidos, a sua linha Pólen; as linhas Rives, Marrakech, Translucents, Particles, Metallics,  Conqueror, da Arjo; os papéis avergoados, os cordenons... o papel jornal, o craft. Nem sempre é possível usar todos os recursos. A limitação orçamentária é um problema constante.

Ao fazer a Revista ÍMÃ decidi ignorar as restrições e usar as possibilidades do mercado local. Então usei o papel couchê para miolo e capa, papéis diferenciados, como o vergê, para os encartes, e na impressão, além de muito uso de cor chapada, que é uma coisa que exige bastante – uma poeira no fotolito vai para a chapa e dela para a impressão – e verniz. Quer dizer, além de reunir textos de autores consagrados aos textos de iniciantes, daqui e de outros lugares, numa política de abrir mercado, decidi, também, que daria à forma o mesmo peso dado ao conteúdo.

Ivan (Ivan Alves. Ivanzinho, para os mais próximos), que diagramava A Tribuna, dividiu comigo o projeto gráfico. Mas era ele quem concretizava tudo. Tanto o que ele pensava quanto o que eu sugeria. Eu havia morado em Curitiba, havia conhecido o jornal Raposa (uma obra-prima) e o grande – e sistemático. E temperamental – Mirán. O Mirandinha me marcou muito. Ele trabalhava na Umuarama, havia sido aprendiz de Herb Lubalin, em Nova Iorque, e aos 34 anos já era um designer premiado mundo afora. Eu o conheci em 1981 e fiquei fortemente impressionada. O trabalho gráfico do Mirán foi responsável por inocular, em mim, o vírus que já me rondava havia tempo. De volta de Curitiba, retorno ao jornalismo e às edições, fazia também uma ou outra capa de livro, cartazes... Para o professor Renato Pacheco (O Verdureiro que virou Cientista), para o querido amigo contista e jornalista Tatagiba (Luiz Fernando Valporto Tatagiba), ambos não mais entre nós; para Reinaldo Santos Neves, para Luiz Busatto.

Depois da Revista ÍMÃ aumenta a minha vontade de continuar unindo edição gráfica e edição de texto no meu trabalho. E tenho feito isso quase sempre. É bem verdade que algumas vezes gostaria de ter feito muito mais, e melhor, mas posso dizer que produzi coisas muito boas. Os livros de que você fala me são muito caros. Agora mesmo estou preparando uma pequena coleção, com capa em placa de polpa branqueada de celulose, usando impressão offset no miolo e impressão tipográfica – uma de minhas paixões – nas capas. Envolvi alunos nesse trabalho. Acredito que vá conseguir um belo resultado.

Além disso tenho desenvolvido, a cada semestre, um outro projeto de edição. Como você sabe estou lecionando na Ufes, no curso de Desenho Industrial. As disciplinas permanentes são Design Gráfico 2 e Design Gráfico 3. Programo tudo de maneira a concentrar em Design 3 uma carga prática maior. Então, nessa disciplina, o segundo grande trabalho é a edição de um livro. A turma é dividida em grupos, eu seleciono o texto de um autor capixaba e começamos a trabalhar. Trabalhamos, num período muito curto, mas quase como uma editora. Os resultados têm sido surpreendentes. Alguns muito bons mesmo. Por vezes trabalhamos com textos inéditos. Foi o caso de Poema das 7 Letras, de Valdo Motta. Ele gostou tanto do resultado que escolheu um dos projetos – sofreu um pouco, queria usar todos os que foram apresentados – e saiu o livro, confiro agora, com o selo da ÍMÃ Casa Editora. Um belo trabalho! Dessa maneira consigo driblar a falta de laboratório próprio, no curso. Há períodos em que os trabalhos ficam melhores que em outros, mas observo que ao mesmo tempo em que minha exigência aumenta, os resultados se aprimoram. Já fizemos projetos gráficos, também, para Gilson Soares, Marcos Tavares, Reinaldo Santos Neves, Marien Calixte e você mesmo, não é?

E tem ainda a Célula Tipográfica. O nome eu considero um belo achado. Acho que sou boa nisso. Quê que você me diz? Ímã... Célula Tipográfica... J A célula é o  Núcleo de estudos em tipografia, imagem e edição que eu coordeno no Centro de Artes. Está caminhando devagar, eu tenho conseguido levar pra lá algum equipamento. Além de material que tinha, consigo uns tipos aqui, umas guarnições ali... Mariângela, da JEP, seu Lula, da Ilha de Santa Maria, já deram suas contribuições. Estou à cata de mais material. É difícil. Especialmente na própria universidade. Mas já fizemos duas séries de cartões tipográficos, melhor, híbridos: tipografia com serigrafia, ou com offset, ou com laser. E um livreto da pequena coleção Tipografia. Esse semestre ainda sai o Tipografia 2. Os lançamentos são uma boa confraternização e chance de fazer um balanço do que está sendo feito. A coleção que citei um pouco antes, com capas em celulose branqueada, é um trabalho do Núcleo. As capas são uma doação da Aracruz Celulose.

Uma hora dessas deixo tudo para me dedicar apenas aos projetos pessoais de edição.

Íma é nome bastante sugestivo para uma revista, carregando diversos significados.

O nome foi escolhido a partir da preocupação de unir uma forte sonoridade à facilidade de memorizar. Queria um nome marcante, antes de qualquer coisa, mas lembro que pensei, também, que a palavra deveria expressar um sentimento forte. Convidei Marco Antônio Neffa pra dividir comigo e com o Ivanzinho (Ivan Alves, excelente designer gráfico) a aventura de fazer a ÍMÃ. Marco Antônio era garoto, não era cético como agora, e tinha – isso permanece – uma sensibilidade muito grande. Ele desenha, fez experimentos com animação... Também lê muito. Entusiasmou-se com a ideia e ficou por ali. Marco Antônio se surpreendeu – e gostou – quando eu disse o nome que teria a revista. Essa primeira reação antecipou o que todos achariam. Ficou ÍMÃ e acho que foi uma excelente escolha, traduz plenamente o que ela foi e que pretendeu ser: uma revista que atrai bons autores e que é atraente aos leitores. É atraente aos leitores pela forma e pelo conteúdo.

Quando, como, por quê, etc. surgiu a ideia da revista? Quais as suas expectativas? Que respostas ela deu?

O quando é fácil: 1985. Início do ano. Carnaval. Nunca dei bola pro Carnaval, me agonia ficar dias parada por causa de um feriado, querer comprar um livro, um chá, as lojas fechadas. As gráficas fechadas. A cidade vazia. Não gosto de nada disso. Nessa época estava trabalhando na Ufes, na Fundação Cecilano Abel de Almeida, via aqueles livros feios no almoxarifado, aquelas revistas universitárias literárias todas que chegavam, com textos muitas vezes interessantíssimos, surpreendentes, mas tudo editado de uma forma burocrática, tudo muito feio. Dava um trabalho muito grande ler, porque até a forma não era propriamente a forma convencional de revista, com acabamento de grampo-canoa. Também aquilo me incomodava. E o estoque no almoxarifado só aumentando. Quem iria comprar aquilo? Quem iria se interessar por aquilo?

De repente me veio a ideia de fazer uma boa revista literária. Boa e bonita. Pronto: resolvi, inclusive, o problema que tinha com o Carnaval! Passava horas na casa do Ivan, ali em Jucutuquara, trabalhando na revista. Fui ao Rio, visitei livrarias (na época havia em estoque, na Taurus, alguns números da revista José, ainda muito longe do que eu queria), liguei para o Waly Salomão, ficamos horas sentados numa mesa do Guanabara, ali no Leblon, estabelecendo ‘planos de ação’, isto é, fazendo uma pré-seleção de quem entraria no primeiro número. Eu não bebo, e o Waly ali pedindo um conhaque pra me agradar. O garçom ‘flambando’ o conhaque e eu, cumprimentando amigos. Lembro que ele mandou repetir a operação pirotécnica, mas chegou mais gente. Nosso encontro, que começou por volta de 1 da tarde foi até a noite. E a revista foi caminhando assim. A primeira adesão, depois do Waly, foi do Antônio Cícero. Depois, do Luiz Melodia, do Leminski e do Arnaldo Antunes...por fim do Vítor Ramil. Mas todos os convidados participaram com imenso entusiasmo, muito envolvidos.

A minha expectativa sempre foi fazer uma revista bonita, que fosse, de fato, lida da primeira à quarta capa. Uma revista em que até a numeração das páginas fosse percebida. Conversei com o Ivanzinho e disse que a gente deveria fazer uma revista fora de formato, mesmo que isso gastasse mais papel, para facilitar o manuseio. Falei numa revista mais longilínea e ele aprovou imediatamente. Começou logo a desenhar um formato que depois seria seguido tanto aqui quanto no Rio. Também conversamos sobre a singularidade do espaço reservado a cada autor. E sobre o papel. Defini que a cada edição haveria um encarte especial, que nos dois primeiros números trouxe entrevistas. O Ivan é um designer gráfico requintado, tem muita paciência e ao mesmo tempo rapidez de raciocínio. E desenha letras. Reproduz letras. Pega o seu projetor de fotografias (ele tem uma coleção de máquinas fotográficas que inclui uma Leica maravilhosa), amplia, reduz, retoca... E assim foi feita a revista. Graficamente, eu dei muitas ideias, o Ivan deu muitas ideias, mas foi ele quem sentou-se à frente da prancheta e executou tudo. Até o número 4 foi assim. Então eu já estava no Rio, fiz um rafe do que seria o número 5, decidi por um desenho mais sóbrio e uma unidade maior e aí a revista muda muito, graficamente, mas permanece muito bonita.  Ivan reclamou, pra ele a marca da ÍMÃ era justamente a singularidade das páginas de cada autor – ele tem razão, foi o que quis desde o início – mas eu achei que estava na hora de mudar.

Não sei se esta segunda fase – com o mesmo ou com outro nome – vai manter o estilo inicial ou o da mudança... Não decidi ainda.

Outra expectativa foi a de colocar o autor capixaba no circuito nacional. Até então, era Rubem Braga (que muita gente pensava, e ainda pensa, que era mineiro) o escritor capixaba. Para uma minoria, a ele somavam-se Mendes Fradique e Geir Campos. Para menos gente ainda, Kátia Bento. Reinaldo já havia sido rastreado, mas por menos de meia dúzia. Então chega a Revista ÍMÃ e de José Mindlin a Manoel Lobato, passando por Olga Savary e Plínio Doyle, ela passa a merecer elogios, ganhar atenção. A Revista ÍMÃ ganhou chamada de capa do Jornal do Brasil (não, eu ainda não estava lá. Nem pensava que iria parar lá), páginas da Revista de Domingo. Notas e notícias na Folha (foi Rui Castro o primeiro a noticiar a ÍMÃ em São Paulo) e no Estado de São Paulo. No lançamento da número 1 a Dazibao, em Ipanema – e a sua calçada também – ficou que não cabia. A festa de lançamento da número 2, no velho, aconchegante, cult, maravilhoso Mistura Fina, em Ipanema, foi um sucesso maior que a festa do primeiro. Foi absoluto, parou o trânsito. Estavam por lá Fernando Gabeira, Regina Casé, Zuenir Ventura, Hans Donner, Paulo Coelho (ainda não era esse sucesso estrondoso, mas era o compositor parceiro de Raul Seixas), Míriam Leitão (essa sim, era minha amiga, e de longa data), Jorge Salomão, Chacal. Muita gente não conseguiu entrar, sequer parar. Soube que Caetano Veloso não conseguiu lugar pra parar o carro ali perto, desistiu de entrar (não é um bom momento pra comentar isso, ele anda desmentindo tudo, não é?, mas há testemunhas oculares J). Eu estava no primeiro andar, quando cheguei ao segundo, não consegui mais descer. Não vi a apresentação do meu convidado Fausto Fawcet, que foi lançado ali, naquele dia. Essa festa rendeu. Waly volta aos midia com vigor total, Barrão e Sandra Kogut, como o Fawcet, ganham visibilidade ali. O número 2 lançou nacionalmente Elisa Lucinda. Foram páginas e páginas na Revista de Domingo, dizendo que a festa da ÍMÃ havia ofuscado a da global Lucélia Santos. Em seguida lançamento em São Paulo, no Cingapura. Novo sucesso. Performance da Lucinda no Rio e em São Paulo.

No número 3, mais sucesso. Neste numero o Leminski foi fundamental. O encarte, lindo, em papel arroz e couchê, traz haikais em japonês, inglês e português. Alice Ruiz traduz, adaptando, do inglês para o português. Uma edição em branco, vermelho e preto.

A revista foi num crescendo, reunindo cada vez mais gente. Grandes nomes. E cumprindo uma segunda meta: ao publicar desconhecidos ao lado de consagrados eu queria levar o autor capixaba, de qualidade, para o cenário nacional. Valdo Motta pode dizer o que isso significou: sair na ÍMÃ. Receberia depois uma carta de Manoel Lobato admirado com a qualidade de Marcos Tavares e de Kátia Bento. Dois talentos capixabas.

Os números 4 e 5 mostram mais talentos. A ÍMÃ sempre publicou, também, nomes internacionais. Vou citar alguns locais (além do Valdo, Marcos Tavares e Elisa Lucinda), alguns nacionais e alguns internacionais: José Paulo Paes, Reinaldo Santos Neves, Glauco Mattoso, Maria do Carmo Ferreira, Guilherme Mansur, Vítor Ramil, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Nelson Ascher, Juan Gelman (me sinto felicíssima de ser a primeira a ter editado o grande argentino Gelman aqui no Brasil), Léo Masliah (acho que também fui a primeira a editar o uruguaio Masliah, aqui no Brasil), João Angelo Salvadori, Carlos Chenier, Roberto Piva, Luiz Melodia, Toquato Neto (uma letra ineditíssima de Torquato), Shan, Ricardo Basbaum, Julio Plaza...

E tem as capas: as capas sempre reproduziram desenhos exclusivos: Burle Marx (o grande arquiteto, paisagista, designer de joias e pintor). Liberati (do JB), Lando (daqui), Lula (JB, Globo, Vip, Playboy...).

As ilustrações internas também foram feitas exclusivamente para a revista. Olha quem já ilustrou a ÍMÃ: Hilal, Lando, Liberati, Lula Palomanes, Trimano.

Nos textos (contos e poemas), quase que exclusivamente (99%) inéditos. Há casos muito interessantes. Um exemplo: um poema que o Waly fez pra ÍMÃ depois foi musicado e gravado pelo Cazuza. Meses depois, talvez um ano... ou quase... E o Cazuza conta uma história, sobre a maneira como fora feita a letra, totalmente diferente da realidade. Uma fantasia boa para ser divulgada. O Waly me ligou, contou da entrevista do Cazuza e arrematou: “O que se há de fazer? Quando a lenda é mais forte que a realidade, prevalece a lenda.”  Os textos não inéditos são aqueles traduzidos. E um resgatado, o do Juó Bananéri, que saiu na número 2.

Fale um pouco de suas parcerias nas edições de texto e gráfica. Como foi o encontro de tanta gente e Sandra Medeiros?

Olha, as parcerias foram feitas, pela ordem, com: Marco Antônio Neffa; Waly Salomão e Antônio Cicero; Leminski; Marcos Tavares, Vítor Ramil. A edição gráfica foi o tempo inteiro dividida com o Ivan, algumas ilustrações, como eu disse, para a ÍMÃ 3, o Leminski me enviou. Outras 2 ou 3, não me lembro agora, o Julio Plaza enviou, para o número 3, também. No número 4 as ilustrações internas são todas do Liberati, quer dizer, foi uma parceria. No último número, o 5, eu desenhei a revista, o Lula Palomanes fez quase todas as ilustrações: mais uma parceria. Duas páginas, apenas, foram ilustradas pelo Trimano. Já éramos amigos, ele me procurou, disse que queria ilustrar, o que foi surpreendente e lisonjeiro, e o resultado muito bom.

As ilustrações selecionadas pelo Leminski, e os textos, mostram que ele era, indiscutivelmente, um amante da cultura japonesa. Tinha muito material reunido, muitos haikais, e estava muito entusiasmado com a parceria, com a possibilidade de mostrar parte do que gostava e que havia influenciado a sua criação... Isso não pode deixar de ser registrado.

Alguma coisa que não tenha perguntado?

Acho interessante acrescentar que a Revista ÍMÃ está na coleção da Casa de Rui Barbosa, do Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, da Biblioteca Mindlin e foi adquirida para a Biblioteca do Congresso, em Washington.

Preciso dizer que foi muito importante os amigos que fiz – amigos mesmo – ao fazer a revista e também aquelas pessoas que apenas conheci. A vontade que tive de ir morar no Rio deve-se à revista. Antes disso decidi que iria morar lá e desisti: melhor, não quis. Ainda gosto muito do Rio, adoro o Rio, e muitas vezes penso em voltar. Gosto daqui, me sinto em casa, motivada para fazer muita coisa, mas sinto falta de lá. Fui muito bem recebida no Rio e devo dizer que soube chegar. Tenho muitos amigos na cidade, muitas pessoas queridas, isso continua me atraindo pra lá. Ao mesmo tempo, sinto necessidade de estar aqui.

Acho que todo mundo que vem pra Vitória percebe como a cidade provoca, desperta, uma incontrolável vontade de fazer coisas. Mesmo aqueles chatos que vêm pra cá ganhar a vida, muitas vezes nem têm méritos, são bem recebidos e só sabem pôr defeito no lugar, reclamar (reclamam mas não voltam pra casa), produzem muito quando estão em Vitória. Aliás, aprendem tanto aqui, têm tantas oportunidades, são tão bem tratados, que confundem as bolas e agem como se fossem donos do lugar, passam por cima dos capixabas, ficam arrogantes (nossa finesse impede que respondamos à altura, tentamos sempre contemporizar), querem mandar no lugar... Salvo honrosas exceções, claro. Cito algumas honrosas exceções entre os que só estiveram e os que ficaram: Sérgio Buarque de Holanda (sim, ele mesmo. Se bem que foi em Cachoeiro. Mas Cachoeiro não é uma extensão de Vitória? Ou não?), Karel van den Bergen, Ubaldina Alves Pereira, Gilbert Chaudanne, Marien Calixte… Quem mais? Mas é assim a nossa ilha. A Nossa Senhora da Vitória do Espírito Santo. Surpreendente como o seu nome. E capaz de fazer milagres.

 

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