Publicações capixabas coletivas

Pedro J. Nunes

As antologias entraram na história das publicações capixabas há 162 anos quando, no Ano da Graça de 1856, José Marcelino Pereira de Vasconcelos organizou a primeira coletânea reunindo escritores capixabas, o Jardim poético ou coleção de poesias antigas e modernas, compostas por naturais da província do Espírito Santo. Quatro anos depois, em 1860, viria a público o segundo volume. José Marcelino demonstrava conhecer o valor do que estava fazendo, consciente do futuro que sobreviria à sua antologia, mas revelava dificuldades na sua organização, quando, no prólogo, escrevia: “Um serviço importante presto nesta publicação à minha província; mas só o reconhecerão, depois que decorrerem séculos”. De fato, sendo a primeira, e numa terra cheia de dificuldades para a edição de um livro, não é difícil prever as dificuldades que ele enfrentou. Mas é inegável que, graças a seu esforço, preservou-se até nossos dias a memória de vários intelectuais e escritores que, de outra forma, teriam sido consumidos pela fumaça impiedosa do esquecimento.

Entre os cento e tantos anos que correram entre a publicação dessa obra pioneira e a publicação de Torta capixaba, em 1962 – uma significativa coletânea reunindo escritores capixabas, até hoje sempre lembrada –, nada teria acontecido não fosse a publicação de uma antologia bem pouco conhecida do público em geral, Poetas capixabas, de 1934, organizada por José Victorino e publicada por Adersen-Editores, do Rio de Janeiro. Com poemas, entre outros, de Narciso Araújo, Almeida Cousin, Cyro Vieira da Cunha e Newton Braga, trazia a participação de apenas uma mulher, Maria Antonieta Tatagiba.

E já que falamos da Torta capixaba, vamos arrematar o assunto. Ei-la aí finalmente, organizada por Antônio Simões dos Reis, tendo no recheio escritores da Academia Espírito-santense de Letras, e publicada pela Editôra Âncora S.A. A Torta capixaba teria um segundo número, com o título Torta capixaba II: poesia e prosa, organizada por Renato Pacheco, Neida Lúcia de Moraes e Ormando Moraes, publicada pela Academia Espírito-santense de Letras.

Escritores, editores, simpatizantes e o resto do clero tomaram gosto pelas antologias. Desde então tantas coletâneas espiaram por cima do muro que é impossível referir-se a algumas sem cometer séria injustiça, na qual, perdoem-me, incorro. Das bairristas, como é o caso, por exemplo, de Poetas iunenses, organizada por Amphilophio de Oliveira em 1984, e Poetas cachoeirenses, organizada por Evandro Moreira em 1998, às que publicaram gente de toda a terra espírito-santense. É o caso de referir-me inicialmente a duas delas, A parte que nos toca, organizada por Reinaldo Santos Neves e Miguel Marvilla, e Instantâneo, organizada também por RSN e Erly Vieira Jr., publicada pelo Governo do Estado. Aliás, no prefácio de Instantâneo, Reinaldo estabelece muito bem o papel da maioria das antologias publicadas no Espírito Santo quando diz: “Parte dessa gente que aqui está não tem livro publicado. Outra parte tem um livro só. Meus votos (e meu vaticínio) são de que todos chegarão, conforme o caso, ao primeiro ou ao segundo livro individual, e de que a estes se seguirão outros. Deixem-me ser, para variar, otimista.” Depois dessas duas obras, façamos uma parada sem pressa nas excelentes amostras da boa literatura produzida na terra, Poetas do Espírito Santo, de 1974, e Antologia dos contistas capixabas, de 1979, ambas publicadas pela Fundação Cultural do Espírito Santo. Não poderia deixar de mencionar ainda mais duas dessas obras coletivas: Ofício da palavra e Traços do ofício, resultantes das oficinas literárias dirigidas por Deny Gomes na Ufes na década de 1980. Em que residiria a importância desses livros? Falo por mim. Primeiro, acho que representam uma época no meio literário do Espírito Santo. Segundo porque registram amostras da produção de vários capixabas que escreviam na época. E terceiro, finalmente, porque revelam nomes da literatura feita no Espírito Santo que consolidaram sua obra na história literária do Estado. Concluindo, não posso deixar de fora uma publicação do Movimento Literário Universitário, do Diretório Central de Estudantes da UFES, Poesias, antologia publicada em 1977, com uma dedicatória que daria o que falar nesses retardatários dias de hoje: “Dedicamos este livro a todos que lutaram e lutam pela liberdade de expressão.” Sim, em 1977, num tempo bem avançado, havia quem zelasse pela liberdade e lançasse para tenebrosos dias do futuro sua provocação.

Escrita na década de 1930, em 1985 é finalmente publicada a antologia Cantáridas, reunindo poemas satíricos e fesceninos de Paulo Vellozo, Jayme Santos Neves e Guilherme Santos Neves. Na época em que o livro foi escrito, no dizer de Oscar Gama, “a literatura capixaba era dominada por um bem comportado academicismo”. De fato, era fácil prever o espírito revolucionário da obra, causa, fico aqui a imaginar, de sua publicação tantos anos depois de concluída. Talvez isso fique bem claro se recorremos novamente ao estudo de Oscar Gama publicado no mesmo volume, quando ele diz que “com esta publicação surge o primeiro levantamento sociológico dos costumes sexuais conhecidos e usados no Espírito Santo da época”.

Em 1995 uma antologia de contos eróticos congrega sete escritores de um grupo de amigos que se reuniam na livraria Logos na época. Com Adilson Vilaça, Francisco Grijó, Luiz Guilherme Santos Neves, Pedro J. Nunes, Reinaldo Santos Neves, Renato Pacheco e Sebastião Lyrio, a antologia Mulheres: diversa caligrafia é representativa da produção desses escritores. Contou com um belo prefácio de Ivan Borgo/Roberto Mazzini e ilustrações de Armando Costa.

Numa tentativa bem-sucedida de apresentar os escritores da cidade de Vitória, ainda que sem oficinas literárias prévias, surgiu em 1990, organizada pelo poeta Miguel Marvilla, a publicação coletiva Palavras da cidade. No primeiro número, Poesia, Miguel Marvilla, ele mesmo um dos maiores poetas da cidade, constata que “Vitória é um lugar que transpira poesia”. Mas lamenta, em seguida: “Difícil mesmo é achar para toda essa poesia transpirada um canal que a leve a público”. Palavras da cidade, editada em forma de envelope, apresentou, da cidade de Vitória, poetas, contistas e memorialistas, alcançando seis números.

A coleção Escritos de Vitória surgiu em 1993, criada por Adilson Vilaça, Joca Simonetti, Luciana Vellozo Santos, Pedro J. Nunes e Sérgio Blank.  Completando um quarto de século em 2018, é atualmente editada pela Academia Espírito-santense de Letras em convênio com a Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Vitória. O negócio era falar da cidade. Já na apresentação do primeiro volume, o Conselho Editorial anuncia, orgulhosamente: “14 cronistas descreveram a nossa ilha”. No segundo volume, que ninguém se engane, nove contistas deram conta de falar da cidade de Vitória. A partir do 3º número, ficou claro, pelo título da antologia – Fafi – que a temática era definitivamente a cidade. E assim vem sendo, até o volume 31, lançado no final de 2017, em que um grande número de escritores fala das praias da cidade.

E aqui, tendo dito o que disse, calo-me. Não sem antes dizer que o que não falta nesta terra é publicação coletiva. Elas estão sempre surgindo aqui e ali, de tal modo que não se pode delas dar conta. Mas é inegável que, além de tudo o que já se disse até aqui a respeito de tais publicações, é de se crer que o esforço solidário na construção literária de nossa terra permanece. E ainda dará muito o que falar.

Vitória, fevereiro de 2018.

 

Pedro J. Nunes é autor de Vilarejo e outras histórias, Menino e A última noite, entre outros, e escritor residente da Biblioteca Pública do Espírito Santo.

 

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