Antonio Dias Tavares Bastos (1900 - 1960) foi um escritor franco-brasileiro que viveu e produziu consideravelmente no Espírito Santo. Sua principal característica foi produzir literatura em francês, diretamente. Em 1937, Tavares Bastos se fixa na França e, dentre outras frentes, trabalha com tradução. O texto abaixo é o prefácio da Anthologie de la poésie brésilienne contemporaine, publicada, originalmente, em 1954. Trata-se de uma espécie de “aula de história de literatura brasileira para franceses”, levando em consideração, obviamente, o espírito da época. A Antologia, que conta com nomes do calibre de Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles e Haydée Nicolussi, foi agraciada com uma láurea da "Académie française". Esta é, seguramente, a primeira tradução do texto, num esforço de aproximar o público brasileiro da obra de um autor de tamanha importância como foi Bastos.
Em pleno Renascimento, no limiar deste mesmo século, onde eram, aqui e ali, erguidas as últimas catedrais góticas no norte da França, com suas torres pontudas, em um outro hemisfério, até então habitado por tribos selvagens aparentadas com os povos mais longínquos do período para-asiático, os atos mais simples, os gestos mais normais de alguns europeus ali chegados tornar-se-iam de um significado insuspeito para a História daquelas terras distantes.
Os feitos mais corriqueiros dos pioneiros, dos quais o gesto do primeiro homem que instalou uma cruz, do que construiu a primeira casa, como o do que ali celebrou a primeira missa, estavam destinados à imortalidade. O homem primeiro a fazer uso de uma arma de fogo foi logo considerado pelos selvagens como um ser extraordinário, e todos os manuais de História deveriam mais tarde narrar detalhadamente suas aventuras. Com os caraíbas, isto é, “os fantasmas brancos vindos do mar”, os aborígenes tomaram consciência deste “brave new world”, bem mais desconhecido da gente de lá, que era, tão somente, para os recém-chegados, as terras que eles acabavam de descobrir.
Este e outros fenômenos servirão talvez para explicar por que algumas coisas de relativa importância tiveram repercussões imprevistas na formação e no desenvolvimento da alma brasileira.
Ora, quando os navegadores se puseram a descobrir as costas da América, muitos deles convencidos de ter atingido o Levante pelo Poente, não foi fácil fixar, num primeiro momento, os limites das novas terras. O papa, esse personagem das Canções de Gesta, foi chamado para mediar a disputa que se desenhava com relação às futuras possessões. E, por um tratado que ficou famoso (Tordesilhas, 1492), foi convencionado que uns teriam direito aos países descobertos para cá de certa linha imaginária, enquanto que outros ocupariam as terras a descobrir para lá dessa mesma linha. Uns, acreditando que as terras não iam mais longe, aceitaram o tratado. Outros, convencidos da pequenez do globo, estavam certos, ao aceitá-lo, de ter adquirido direitos sobre o mesmo Oriente fabuloso que eles imaginavam ter atingido deste lado e em que tinham chegado, antes deles, os pioneiros do périplo africano. O tratado foi, assim, baseado em um ardil recíproco.
De outra feita, os selvagens encontrados nessas paragens inexploradas lhes apareceram tão estranhos que foi necessária uma bula pontifícia para que eles fossem considerados homens que possuíssem “uma alma” como os outros e dignos de ser tratados, em consequência.
Com a primeira frota que lançou a âncora nas baías da Terra de Santa Cruz, chegou um “escrivão da Armada” tendo por missão fazer o relato dos incidentes da viagem. Sua narrativa tornou-se, assim, o primeiro monumento literário da nova terra: o primeiro homem que se serviu, ali, da pluma, inaugurou, naquele dia, a literatura do país. Pouco importa se o século XVI já nos tenha dado uma epopeia tal como Os Lusíadas, pela qual um poeta insigne vai fixar a língua e a literatura metropolitana por vários séculos: o relato de Pero Vaz de Caminha, do Estado-Maior do Almirante Álvares Cabral, constituiu um fato da mais alta importância.
Em consequência, a língua dos homens que desembarcaram e residiram no país acabou sofrendo o contato das coisas novas que lhes foram reveladas. A solidão lhes impunha o diálogo com o silêncio. A língua se tornou mais doce, o vocabulário menos formal, a frase mais lenta e mais sonora. Mais tarde, o espírito dos homens nascidos ali, os filhos dos primeiros núcleos europeus, acabaria despido dessa pátina dos séculos da qual era marcada a civilização da metrópole. E eles chegaram a se considerar, por seu turno, quase tão incólumes pelas complexas civilizações quanto os autóctones destas latitudes.
Os portugueses que emigravam até a nova colônia, tal como os espanhóis, partiam sozinhos, sem família e sem amigos. Durante meses, anos, eles se contentavam com o sonho da sua “dona” longínqua. O isolamento e a distância formavam o primeiro elemento de uma equação do qual o outro comportava a “saudade” e a poesia. Com o índio indomável e, mais tarde, com o negro escravo, foi ele, o branco, grande senhor ou aventureiro, que forneceu a mais larga dose no caldeirão étnico de onde vieram os novos habitantes desta parte da América.
Todavia, os filhos da terra, os brasileiros já desatados dos laços sentimentais com o clã da metrópole, ainda que possuindo a sensibilidade dos isolados, faziam mostrar certa veia satírica em face dos homens, ou uma grandiloquência face ao pesadelo do mundo novo.
Foi apenas a partir do Século XVIII que podemos assinalar a aparição dos primeiros poetas propriamente brasileiros. Foram jovens que vinham estudar na Universidade de Coimbra, e a influência de seus ancestrais portugueses é flagrante em suas obras. Gonçalves Dias, no início do século XIX, não é exceção à regra. Mas é preciso classificá-lo dentre os que tentaram emancipar a poesia brasileira face à tutela lusitana. Ele se debruçou sobre temas indígenas e, sendo, assim, o criador da escola dita indianista, na qual surgiu igualmente Domingos Gonçalves de Magalhães. Os dois românticos cantaram as proezas das tribos indígenas: o primeiro adotou os Timbiras e o segundo escreveu uma Confederação dos Tamoios.
Pela metade do século XIX, uma nova geração de poetas não menos românticos fez aparição a partir de Laurindo Rebello, Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, até Castro Alves e Fagundes Varela, a maioria inspirados por Byron, por Hugo ou por Chateaubriand. O Romantismo proveniente de tais fontes dominou quase todo o último século. No início do século XX, o movimento simbolista foi limitado a alguns nomes de primeiro plano: Mario Pederneiras, Cruz e Souza, Vicente de Carvalho, Alphonsus de Guimaraens e até Augusto dos Anjos e Hermes Fontes se colocaram de encontro aos parnasianos, que roubaram a cena. O Parnasianismo havia começado, aliás, com Gonçalves Crespo (1847 - 1883), aproximadamente em 1875, e só acabou em 1920, com Alberto de Oliveira.
O objetivo desta antologia é de fazer conhecidos os principais poetas contemporâneos, entretanto, não se deve omitir de informar o leitor, de maneira sumária, sobre os poetas brasileiros anteriores, cujos nomes figuram em mais de um título na história literária do país. Primeiramente, não nos esqueçamos da Escola Mineira, assim nomeada porque composta de poetas nascidos em Minas Gerais, um dos grandes estados do Brasil central, pelo fim do século XVIII: José de Santa Rita Durão (1722 - 1784), autor do poema Caramuru (1781), baseado em feitos mais ou menos históricos, mais ou menos lendários, sobre a descoberta da Bahia; José Basílio da Gama (1740 - 1795), que celebrou, em Uruguai (1769), a revolta de sete missões jesuítas contra a Espanha e Portugal; Thomaz Antonio Gonzaga (1744 - 1807), o autor de Marília de Dirceu (1792), Manoel Ignacio da Silva Alvarenga (1749 - 1814), de quem colhemos Glaura, Ignacio José de Alvarenga Peixoto (1744 - 1793) e Claudio Manoel da Costa (1792 - 1789), que tomou parte em um dos primeiros e dramáticos complôs para a emancipação política do Brasil face à metrópole. Com Thomaz Antonio Gonzaga, Claudio Manoel da Costa e o satírico Gregório de Mattos (1633 - 1692), este último da Bahia, a poesia ultrapassa claramente toda a produção literária brasileira desde as suas primeiras manifestações. Já o gosto pelas comparações, supostamente exagerado, procura encontrar no autor das Cartas Chilenas (sátira em verso atribuída a Silva Alvarenga, publicada em 1789), o estofo de um Voltaire, bem como se quer ver em Gregório de Mattos, no século XVII, pelo seu estilo rebelde e sua via aventureira, uma espécie de Villon brasileiro. No início do século XIX, não se pode esquecer também de Antonio de Souza Caldas, autor de uma Ode ao homem selvagem e de uma Ode ao Criador, em cujo misticismo profundo se faz sentir certa morbidez, devida bem mais à influência da arcádia portuguesa que à de Swedenborg. É, aliás, naquela época, em 1822, que se situa um evento capital para o país: um príncipe português do Brasil, Dom Pedro, proclamou, ele próprio, a independência política do Brasil e se tornou o primeiro imperador. Foi necessário até se desvencilhar da influência portuguesa no domínio literário (à qual nos encontrávamos, todavia, submetidos por poetas tais como José Bonifácio de Andrade e Silva, Eloy Ottoni, etc.), e viu-se esboçar um movimento tendendo a substituí-la pelo Romantismo, que fazia suas primeiras aparições na Europa. Os românticos franceses logo entraram em voga e observa-se, primeiramente, Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811 - 1882), com seus Suspiros poéticos e Saudades, escritos e impressos em Paris. Vem, em seguida, Manoel Araújo de Pôrto Alegre (1806 - 1879), que enviou para Nápoles seu célebre A voz da Natureza e Colombo (1866), espécie de epopeia composta de 40 cantos e 24.000 versos. Antonio Gonçalves Dias (1822 - 1864) não conseguiu se desvencilhar da influência romântica, mas logrou se manifestar pelo seu panteísmo que se apressaram em batizar “indianismo”, quando tratou sobre índios e temas regionais (Marabá, Y-Juca-Pirama). Dele se assinalam Primeiros cantos (1846), Poesias americanas (1870) e Os Timbiras (1857), impresso em Leipzig. O romantismo de Manoel Antonio Alvares de Azevedo (1831 - 1852) tomou aspectos de pessimismo e de dúvida, e sua Lira dos vinte anos tem algumas vezes tons de Musset, de Byron ou de Leopardi. Com As primaveras, tomamos contato com o sentimentalismo de Casimiro José Marques de Abreu (1839 - 1860). Luiz Nicolau Fagundes Varella (1841 - 1875) se fez observar, em seguida, por um Evangelho nas selvas e Vozes da América (1864), em que se sente a influência hugoana. Mas o maior desses românticos, quiçá dos mais eloquentes, é sem, dúvida alguma, Antonio de Castro Alves (1847 - 1871), cujo humanitarismo se manifesta mais de uma vez em Vozes de África e O navio negreiro, em que ele denuncia o tratamento aos negros em um tom declamatório e uma imagem lírica que se convencionou chamar “condoreira” (à semelhança do voo esbelto do condor), em que ele se destacou e fez escola.
Quanto ao Parnaso, que dominou a poesia brasileira durante quase cinquenta anos, período em que o academicismo servia a uma prosa inspirada nos clássicos portugueses, notemos os nomes dos principais epígonos, limitando-nos a assinalar Luiz Guimarães (1847 - 1898: Lyrica, sonetos e rimas), Joaquim Machado de Assis (1839 - 1908: Chrysalidas, Phalenas), um dos romancistas brasileiros mais fecundos até o início deste século, Raymundo Correia (1860 - 1911: Symphonias, poesias), Theophilo Dias (1857 - 1889: Cantos tropicais, Fanfarras), Alberto de Oliveira (1857 - 1837: Canções românticas, Meridionaes), Luiz Delfino (1834 - 1910: Poesias lyricas, Rosas negras) e finalmente Olavo Bilac (1865 - 1918), que experimentou um sucesso fulgurante entre seus contemporâneos e cuja obra, toda cheia de entalhamentos, de notáveis momentos de bravura, é de se apreender como a mais importante desse período: “Poesias, O caçador de esmeraldas, Tarde”. Mas, ao lado do Parnaso, outros tentavam manter contra ventos e marés o estandarte do Simbolismo, tais como Luiz Barreto Murat (Tristeza do Chaos, O poeta e a larva), bem como de inspiração às vezes goethiana ou hugoana e, um dos mais importantes dessa escola, o negro João da Cruz e Souza (1862 - 1898: Broqueis, Pharóes, Últimos sonetos), que alguns autores de manuais escolares proclamar um “poeta meritório”, tendo tido, não se sabe bem por quê, uma “humilde origem”. Entre os simbolistas do fim do século passado até o início do século XX, deve-se ainda citar Augusto dos Anjos (1884 - 1914), autor de Eu, Mario Pederneiras (1858 - 1915: Historias do meu casal, Ao léu do sonho e à mercê da Vida), a quem se deve incluir Vicente de Carvalho (1866 - 1924: “Poemas e canções”), Alphonsus de Guimaraens (1873 - 1921: Apotheoses, A lâmpada velada, A fonte da mata), influenciado por Verlaine e Samain, com pendores, às vezes, claramente românticos. Olavo Bilac era o “príncipe” dos poetas em uma época em que os salões do Rio de Janeiro gostavam de ouvir declamar sonetos com chave de ouro, em que as regras da métrica tradicional eram consideradas acima de tudo. O reconhecimento se dava apenas àquele autor de tal ou qual poema de rimas ricas. Alberto de Oliveira, que sucedeu a Olavo Bilac no principado do Parnaso, fez frequente sucesso nesses encontrozinhos apenas por um soneto de qualidade medíocre como A vingança da porta... Quando da morte de Olavo Bilac, o poeta Hermes Fontes se apresentou como candidato à sua cadeira na Academia Brasileira e sua derrota só fez mostrar o estágio de evolução poética e literária nesses meios ditos mais informados do país, que condenaram suas audácias incompatíveis com a honra de suceder o “príncipe”.
Pouco a pouco, entretanto, jovens verdadeiramente audaciosos começaram a se fazer notar um pouco em toda parte, por sua irreverência com relação aos mestres do Parnaso tropical e por um evidente desprezo pelos lugares-comuns até então em rigor entre os adeptos da velha escola.
Em São Paulo, em 1922, o primeiro grupo de “modernistas” deu o que falar organizando uma “Semana de Arte Moderna”, que marcou uma data na história das artes e das letras brasileiras. Sendo encabeçada pelo nome rapidamente afamado de Mário de Andrade, este grupo, que contou, entre outros, com poetas ainda iniciantes como Ribeiro Couto, Sérgio Millet, Guilherme de Almeida e o próprio Manuel Bandeira (originário de Pernambuco), não se limitou à literatura e contemplou pintura e teatro, com Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Vicente Monteiro, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade (que fundou o Teatro de Experiência) bem como outros. Os “modernistas” publicaram uma revista, Klaxon, destinada a fazer barulho e a converter outros artistas. Tratava-se, aí, de um primeiro sobressalto que precedeu a revolução literária e artística reclamada pelo país há alguns anos, de encontro a velhos auspícios que não davam mais para ser levados a sério.
No Rio de Janeiro, um pouco mais tarde, um prosador e romancista muito conhecido, Graça Aranha (1868 - 1931), se propôs iniciar o movimento na capital que iria marcar a ruptura e determinar a verdadeira renovação da literatura e em particular da poesia brasileira. Membro fundador da Academia Brasileira, Graça Aranha rompeu com seus colegas que teimavam em deixar uma tradição que remontava às arcádias portuguesas. Ele queria que a Academia se virasse em direção às novas gerações, que procuravam sua expressão em uma língua menos severa e se inspirassem em assuntos propriamente brasileiros. Seria, de fato, sugerir a uma academia explorar em um campo no qual os acadêmicos não costumavam se aventurar...
Os ventos dessa mudança, mais particularmente dirigido contra os parnasianos, ganhou, sobretudo, os jovens poetas, cujas obras mais ousadas começaram a ser publicadas, então, no Rio e em São Paulo.
A maioria dos autores dos poemas reunidos neste volume fizeram, pois, seu começo neste movimento literário, situado de 1920 a 1930, e cuja influência se fez observar, finalmente, a despeito da própria Academia...
É interessante notar que os mais avançados desses poetas figuraram outrora entre aqueles que seguiram ou estiveram nos caminhos construídos pelos parnasianos e simbolistas do começo do século. A obra de Manuel Bandeira, de Mário de Andrade, de Jorge de Lima, de Guilherme de Almeida, de Ronald de Carvalho, conta, em sua origem, com sonetos impecáveis e poemas em que são observadas as regras restritas da arte. Se Mário de Andrade e Manuel Bandeira se destacaram muito cedo por sua ousadia e adquiriram uma posição insólita no seio do movimento poético brasileiro, de outra feita, diferentes grupos se formaram: a Antropofagia, encabeçada por Oswald de Andrade, que inaugurou a poesia “pau-brasil” e Raul Bopp; o “verde-amarelo”, com Cassiano Ricardo; o penumbrismo, com Ribeiro Couto, etc.
No que concerne à Antropofagia, a publicação, em maio de 1947, de um livro de Raul Bopp (Poesia, impresso em Zurich), nos faz lembrar de alguns detalhes, quando ele fala da “Pequena Biblioteca Antropofágica”, para a qual seu poema Cobra-Norato foi destinado. Essa biblioteca devia ser “planejada” durante um primeiro congresso mundial de antropofagia, que se pensava acontecer na cidade de Vitória (Espírito Santo), em 11 de outubro de 1929, isto é, para celebrar o último dia da América livre, já que Colombo a descobriu em 12 de outubro de 1492... O congresso não ocorreu, segundo Raul Bopp, em razão de desacordos provenientes entre os que compunham o grupo. E foi, ao mesmo tempo, o fim da antropofagia.
Todas essas correntes se entrecruzaram, em seguida, e os melhores representantes da atual poesia brasileira que encontramos reunidos em torno da Estética, da Revista Nova e, mais tarde, da Revista Acadêmica (fundada no Rio de Janeiro por antigos alunos de direito, os “acadêmicos”, sob a direção de Murilo Miranda) respondem, hoje, a outras tendências que nossa tarefa será revelar ao longo desta antologia.
Os titanistas e unanimistas alinham nomes que vão de Ronald de Carvalho e Guilherme de Almeida a Murilo de Araújo. Oswald de Andrade mostra, sem dúvida, uma veia satírica que também encontraremos em Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade. Eles se juntaram pouco antes à poesia de aspecto revolucionário, cara a Aníbal Machado e, mais tarde, a Vinícius de Moraes (os primeiros poemas deste eram marcados por um misticismo supostamente bíblico). Ao lado desta corrente figuram os temas do folclore brasileiros em que fizeram escola não somente Mário de Andrade e Jorge de Lima, mas também Raul Bopp, Cassiano Ricardo, Ascenso Ferreira, etc.
Destaquemos ainda os poetas de inspiração religiosa ou simplesmente mística, dos quais alguns alcançaram tons claramente revolucionários, como é o caso de Jorge de Lima e Murilo Mendes. Entre os místicos, acima dos quais há, primeiramente, Augusto Frederico Schmidt, destacamos os nomes de Francisco Karam, Abgar Renault, Emílio Moura, Cecília Meireles e o próprio Ribeiro Couto. Necessário até destacar certo tom pessimista, comum em Abgar Renault e Dante Milano, como anteriormente a Cruz e Souza e Augusto dos Anjos.
Toda a nova geração, que não está longe de abandonar o humor poético encontrado em Murilo Mendes, Oswald de Andrade, Jorge de Lima e Carlos Drummond de Andrade, é, todavia, mais próximo de certo rigor valeriano, e certamente influenciada pelo surrealismo. Entretanto, é justo apontar que os últimos a chegarem, os que constituem a geração “novíssima”, tentam reagir de uma maneira muito incisiva contra a influência anterior. Eles fazem prova do mesmo ardor dos de 1920-1930, com os mesmos sobressaltos de iconoclastia e de irreverência pelos quais se fizeram notar, em sua época, seus predecessores, hoje, mais maduros. Nós encontramos em alguns desses, como Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto, um retorno quase revolucionário a uma forma mais apurada. Vê-se, assim, elaborar-se um time envolto, que se pretende trazer uma audácia nova, subestimando em mais de um lugar a de seus precedentes.
Fôlego é o que não lhes falta e pode-se apostar que eles não decepcionarão nem aqueles que lhes abriram novos caminhos, ainda que eles mirem horizontes de maneira mais organizada. O que mais se acusa nos poetas brasileiros é de não se engajar propriamente em uma obra de envergadura a fim de situá-los na literatura mundial da mesma forma que outros poetas no novo continente. Ora, é inegável que poetas do entre as duas guerras se fizeram notar pela continuidade de suas obras. Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt e alguns outrora se revelaram trabalhadores incansáveis, sua poesia oferecendo um conteúdo muito significativo aos seus caçulas.
É normal que estes se esforcem para rejeitar tal ou qual influência de seus primogênitos: o excesso de folclore, de “verde-amarelismo” ou de ironia “antropofágica”. Eles só têm a ganhar se conseguirem se libertar de uma tendência à facilidade que se encontra na maioria dos poetas surgidos entre 1920-1930. Sua própria maneira de denegrir as fraquezas destes últimos lhes rememorará sem dúvida o proveito que eles tirarão de uma linguagem menos frouxa, sem voltar às distorções e aos rigores das formas em desuso que convém não retomar a qualquer preço. Pois, em última análise, eles terão, no tempo deles, sua hora de reflexão e reconhecerão os méritos indubitáveis da geração anterior que se insurgiu contra os lugares-comuns banais dos antigos, que caminharam por tanto tempo na superficialidade, temerosos de todo vento de renovação, incapazes de olhar para além de suas convenções pseudoclássicas ou acadêmicas.
Nós sublinhamos, em um número da revista Orfeu, o objetivo dos poetas de toda uma geração, decididos a fazer “um trabalho sereno e imparcial de revisão dos mestres atuais da literatura brasileira”. Eis o porquê de eles se acharem no centro de um movimento “pós-modernista”, já considerando os contemporâneos de Vinícius de Morais (este, nascido em 1913), como “tios”, esses “senhores trintões que persistem na decisão consoladora de ensinar a cantar, um dia”. Em resumo, eles se colocam contra o “canto frustrado” de alguns primogênitos, se eles não buscarem soluções conciliadoras com relação àqueles nem quiserem assinar com eles “pactos de não agressão”; eles se dizem, entretanto, cheios de compreensão quanto a alguns que lhes abriram novos caminhos. Sublinhamos, neste intuito, o recente estudo dedicado por Lêdo Ivo, um dos novos porta-estandartes, sobre a obra de Murilo Mendes, que pertence ao período aberto pela “Semana de Arte Moderna”, de 1922. De qualquer maneira, as manifestações da nova poesia brasileira se fazem observar por um aspecto mais exigente, que se reclama uma iniciação mais segura, cotejando uma língua mais bem cuidada que a dos anteriores e indicando, na maneira abordada pelos jovens poetas, certas formas que eles pretendem renovar.
O leitor francês encontrará em nossa antologia alguns nomes que representam o melhor de todos os jovens poetas que nós nos esforçamos em reunir a fim de dar uma ideia mais precisa dos novos valores que completam o quadro atual da poesia brasileira.
ANTONIO DIAS TAVARES-BASTOS
(1954)
TAVARES BASTOS, Antonio Dias. Tradução: Anaximandro Amorim. Anthologie de la poésie brésilienne contemporaine. Paris : Seghers, 1966, pp. 13-24.