O poeta é um fingidor
finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.
Fernando Pessoa
A palavra, quase sempre, para além dos acordos linguísticos, é como uma pedra que, atirada num lago, provoca ondas. É nesse sentido que podemos pensar no volume poeta no divã, de Brendda Neves. Assim, o que é um poeta? O que é um divã?
Romanticamente, a definição do poeta sempre esbarra no conceito de que ele seja uma pessoa que brinca com as palavras, que se exprime nos seus poemas, que finge sentimentos e que cria emoções através da sua escrita. Pode ser. Mas se pensarmos no poeta como quem se sente conscientemente refém de uma moral ou uma definição de mundo e, ao mesmo tempo, enfrenta a contradição do estar num universo em que a questão existencial o coloca permanentemente diante de uma aporia, principalmente no que diz respeito ao seu estar no mundo tendo que reinventar mundos.
No que tange ao divã, que vem do turco divan, do árabe diwan e do persa devan, também somos tentados a nos reduzir ao entendimento do mesmo como uma espécie de sofá sem encosto, onde um analisando faz uma narrativa sobre seus conflitos existenciais. Mas em poeta no divã, Brendda Neves estabelece esse lugar como um não lugar, onde não mais existem nem o analista nem o analisando, considerando que ela elege a poesia como uma espécie de buraco negro que, de alguma maneira, nos mostra uma região do espaço-tempo em que o campo gravitacional é tão intenso que nada e nenhuma partícula ou radiação eletromagnética como a luz pode escapar.
Assim, Brendda Neves, em seu poeta no divã nos coloca como um navio à deriva, como Le bateau ivre (O barco ébrio), de Arthur Rimbaud, cuja viagem pelo mar imenso enfrenta todas as ondas de medo, aventura, saudade, solidão, sonho, tempo, memória e acaso, talvez como Stéphane Mallarmé em seu Um lance de dados, que se manifestam através de seu grito em versos, onde infância, juventude e maturidade são lados indissociáveis de uma moeda em movimento, como no momento de um jogo em que nunca sabemos se vai cair cara ou coroa. Trata-se de uma suspensão no tempo ou uma tensão premeditada como se fora uma provocação na ansiedade do existir.
O leitor de poeta no divã não precisa marcar consulta. Basta ter vontade, mas também a consciência de que estará num sofá sem encosto e diante de uma poesia que, conforme o título de um de seus poemas, trata-se da “inquietante estranheza que nos habita...” Ou como cantava o Quinteto Violado, na letra de Fernando Filizola e José Chagas, uma “palavra acesa, não queima em vão”.