Kitty e Reinaldo Santos Neves: divertimento

Francisco Grijó

Kitty tem 22 anos e, como toda garota de 22, vive para se divertir. Frequenta baladas, dá as caras em blogs e fotologs, seduz quem lhe passa por perto, dirige um Audi, comunica-se por gírias, é gostosíssima e debocha de tudo e de todos - não é assim que uma mulher se diverte? Claro que a expressão divertimento, a que o autor do romance se refere, relaciona-se à música: divertissement é gênero musical com trezentos anos nas costas e revela-se sempre alegre e despreocupado. Kitty é assim, pelo menos até certo ponto. Até perceber que o mundinho fútil em que vive - e do qual ela só não é peça descartável porque Reinaldo Santos Neves não deixa - desmoronaria com um espirro. Em tempo: falo do romance Kitty aos 22: divertimento, livro que li de um tapa só, num sábado com chuva. Sei que vou no sentido contrário: Reinaldo Santos Neves acabou de lançar o monumental A longa história (Bertrand Brasil, 615 páginas), um texto europeu escrito por um capixaba que escreve como poucos.

Mas volto a Kitty, já que mulheres me interessam mais que longas histórias. É um texto ousado pois ousadia é isto: misturar cultura pop, metalinguagem, mito de Cinderela, universo virtual, suspense e música - e tudo isso com o tempero picante do tesão e do sexo que, em última instância, é a pitada saborosa de nossa vida. Kitty se diverte em oito etapas - de sábado a sábado, dia adequado ao lazer intenso, mesmo que, ironicamente, a história tenha início num cemitério e seu epílogo tenha a expressão do alívio. Eu disse "ironicamente"? Sim, pois o livro é irônico do começo ao fim, e aí se inclui o ritual de passagem com o qual Kitty deve lidar para chegar à idade adulta. Será obrigada a recolher sofregamente os cacos espalhados pelo caminho e encarar o mundo como uma mulher. O ambiente é Vitória - a ilha em toda a sua simpática mediocridade -, os personagens são rigorosamente comuns (outra ousadia), desses que vemos em shoppings, em escolas, em ruas movimentadas - exceto por um: o Relinchador. E há Phil - o quase-narrador com quem muitos homens que conheço se identificam -, há as amigas e os amigos de Kitty, a mezzo neurótica família da moça e há também o Mancha Negra. Quer saber quem são, o que fazem e como tudo se apresenta? É só procurar o livro e achá-lo. Depois, divertir-se porque o livro é daqueles de que um escritor como eu morre de (boa) inveja, mas se diverte do início ao fim.

 

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