Em livro recentemente editado no Brasil, fruto de muitos anos de pesquisa, Laurence Hallewell faz uma citação que, deixando de fora o Estado do Espírito Santo, falta com a verdade e merece, portanto, reparo.
Não que nosso Estado tivesse, no panorama brasileiro, uma participação de primeira linha na indústria livreira. Muito pelo contrário. Porém a informação do autor britânico omite muitos esforços pioneiros que pretendemos assinalar neste sintético esforço.
A citação inquinada de incompleta é a seguinte: “Os Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo são comumente agrupados para fins estatísticos. O último deles, infelizmente, logo é descartado. Monteiro Lobato, em 1919, disse que ‘O Espírito Santo... me parece uma ficção geográfica, onde não tenho uma só livraria, nem um só assinante’ (para a Revista do Brasil). Quarenta anos depois, um escritor, no Anuário da Literatura Brasileira, de 1960 disse que ‘O Espírito Santo ainda não ingressou na era da profissionalização da arte de escrever, nem solucionou o problema editorial’, embora tivesse encontrado, em Vitória, uma livraria (a Livraria Âncora) que merecia elogios. Aliás, infelizmente o Espírito Santo não figura em nossa tabela sobre atividade editorial nos Estados”. [1]
A fala jocosa de Lobato, em carta a Lima Barreto, só teria sentido se corroborada por outras informações que não foram, ao que parece, procuradas pelo ensaísta. O escritor de 1960, citado, era o A. do presente ensaio, que se sente obrigado a tentar reparar uma omissão, levantando, agora, esta pequena história do livro, no Espírito Santo.
Já tem sido contada e recontada [2] a história da introdução da tipografia na então Província do Espírito Santo. Segundo Daemon, o primeiro que versou o assunto, o alferes do exército Ayeres Vieira de Albuquerque Tovar, com a intenção de publicar um jornal oficial, trouxe para Vitória, em 1840, nossa primeira tipografia. Através de contrato com o Governo Provincial, e sob a direção de José Marcellino Pereira de Vasconcellos, foi publicado o jornal Estafeta, do qual, segundo o autor que estamos citando, “só saiu o primeiro número, pessimamente impresso”. Tovar morreu em 1841 e o prelo ficou encostado até que a família o vendeu a Pedro Antônio Azeredo, que, em 17 de janeiro de 1849, publicou o primeiro número do Correio da Victoria, pequeno jornal, redatoriado por José Marcellino, também oficial, bissemanário que se editou durante 24 anos, e de que há coleção completa dos dois primeiros anos, no Arquivo de nosso Instituto Histórico e Geográfico.
A tipografia de Azeredo se chamava Capitaniense (a Província, mesmo nos primeiros anos do período imperial ainda era chamada de a Capitania, donde o célebre café Capitania, plantado à sombra do monte Mestre Álvaro, bebida altamente reputada, espécie hoje, infelizmente extinta) e a ele se deve atribuir a glória de impressão dos primeiros livros capixabas.
Foram eles, salvo extravio ainda não localizado, editados a partir de 1856, primeiramente os de seu prolífico redator José Marcellino Pereira de Vasconcelos, intitulados Jardim poético, 1º volume impresso em 1856, Ensaio sobre a história e estatística do Espírito Santo, Vitória, 1858, Cathecismo histórico e político, seguido de máximas de diversos autores, Vitória, 1859 e o livro do professor gaúcho José Ortiz [3] aqui radicado Novo systema de estudar a grammatica portugueza, por meio da memória, intelligencia e analyse, ajudando-se mutuamente, na Typographia Pedro Antonio de Azeredo, Vitória, 1862, 128 p. São obras hoje raríssimas, porém que comprovam que já havia, na Ilha de Vitória, uma tecnologia livreira em meados do Século XIX.
Confessemos, a bem da verdade, que a regra era os autores aqui nascidos ou residentes publicarem fora seus livros, principalmente no Rio de Janeiro, na Corte, ou até no Porto, como ainda em 1912, fez Afonso Cláudio com a primeira edição de sua História da literatura espírito-santense, ou o citado José Marcellino cuja Selecta brasiliense foi impressa por Laemmert, no Rio, em 1868 e 1870, e, antes dele, com Azambuja Susano, cujo O capitão Silvestre e frei Velloso, ou a plantação do café no Rio Janeiro, segundo Basílio de Magalhães, o primeiro romance que trata do café, em nosso país, foi publicado pelos mesmos irmãos Laemmert, em 1847, e cuja A baixa do Mathias, ordenança do Conde dos Arcos, talvez nosso primeiro romance policial (ou de suspense) mereceu publicação pela mesma tipografia em 1859. Esta tendência continua até nossos dias, dado o caráter periférico da cultura capixaba, e ganhou notoriedade nas obras editadas pelo Governo, como o Dicionário geográfico-histórico de Cesar Augusto Marques, Tipografia Nacional, Rio, 1878, algumas Mensagens de presidentes de Província ou de Estado ou álbuns editados nos governos republicanos de Jerônimo Monteiro e Nestor Gomes. Ainda como obras oficiais, podemos citar, já em nosso século, o esforço de Mário Aristides Freire, quando secretário do Interior e Justiça, a que se subordinava o Arquivo Público Estadual, editando o Livro Tombo da Vila de Nova Almeida, Imprensa Oficial, APE, 1945, assim como a do Interventor Federal Jones Santos Neves, ao conceder a João Calazans facilidades para iniciar a Coleção Autores Capixabas, de que infelizmente, a despeito do magnífico plano elaborado, só saiu a 2a edição (1944) do Esboço histórico dos costumes do povo espírito-santense, desde os tempos coloniais até nossos dias, do Padre Antunes de Siqueira (1ª edição, Leuzinger, Rio, 1893).
Reconheçamos: autor local que quisesse editar (fato que acontece até em nossos dias) tinha de financiar as edições, como o fizeram, entre outros, no passado, os grandes nomes Afonso Cláudio, Amâncio Pereira, Almeida Cousin, Augusto Lins, Eurípedes Queiroz do Valle: a lista é muito grande.
Duas revistas locais, a Vida Capichaba de Manoel Lopes Pimenta, nas décadas de 20 a 50, e Canaã de Carlos Madeira, nas décadas de 30 e 40, também abriam suas gráficas a autores locais, inclusive facilitando o pagamento dos trabalhos, em “suaves e módicas prestações”. [4]
Entrementes, em 1951, tentei iniciar uma editora comercial, em nosso Estado, a que, com a imodéstia própria dos jovens, dei o nome de Edições Renato Pacheco e que lançou cinco livros: Fragmentos de Antenor de Carvalho (1951), Cariacica, de Omyr Leal Bezerra, Praça 8 e Poemas traduzidos, pretos e brancos, ambos de Eugênio Sette, e Impressões sobre arte, de Luiz Derenzi, em 1954. Por falta de estrutura empresarial este esforço editorial da iniciativa privada não foi avante, mas seria retomado, por Nestor Cinelli, da Livraria Âncora, que lançou, primeiramente, a antologia Torta capixaba (1962), uma biografia do Papa Paulo VI, Gente do Espírito Santo, e, tendo criado o Fundo Editorial do Espírito Santo (FEES), publicou a História do Espírito Santo de Maria Stella de Novaes, tendo, recentemente, retomado suas atividades editoriais, com o lançamento de Pedro Leppaus, um erro judiciário contado ao povo, Vitória, 1985.
Em 1958, um grupo de escritores ligados à livraria Âncora, cujas célebres sabatinas frequentavam, criou a Cooperativa Editora Livros do Espírito Santo (LES) que, infelizmente, como aquele Estafeta, de 1840, ficou em seu primeiro livro editado, a interessantíssima História popular do Convento da Penha de Guilherme Santos Neves, composto e impresso na Escola Técnica de Vitória, no ano citado. Releva notar que essa escola federal, enquanto manteve seu curso de 1º grau de artes gráficas, foi responsável pela publicação (a expensas dos autores) de centenas de livros de autores capixabas.
Em 1979, Oscar Gama Filho reuniu um grupo de amigos e tentou fundar a Editora Cooperativa dos Escritores, ideia que não vingou, dadas as dificuldades de se criar uma Cooperativa no Brasil, principalmente de escritores ou editora, sabendo-se que o cooperativismo no Brasil é coordenado... pelo Ministério da Agricultura, que se dedica mais a entidades agrárias.
Ainda no campo das edições oficiais, devemos registrar algumas obras editadas pela extinta Fundação Cultural do Espírito Santo: Poetas do E. Santo, 1974, Os melhores contos do Espírito Santo, 1974, a 2a edição (1975) da História do Estado do Espírito Santo, de José Teixeira de Oliveira (a 1a também patrocinada pelo Estado, foi editada pelo IBGE, no Rio, em 1951), A passagem do século, de Amylton de Almeida, 1977 e Poesias, de Xerxes Gusmão Neto, 1979; e umas poucas edições quase alternativas em 1980.
Entre os particulares, devemos assinalar aqui também alguns esforços interioranos, como os de Mesquista Neto e Maciel de Aguiar, em São Mateus, Hermógenes Lima Fonseca, em Conceição da Barra, Newton Braga, em Cachoeiro de Itapemirim e Evandro Moreira, em Alegre, Marien Calixte e Carlos Nejar, editando, no último meio século, livros de autores e gráficas locais, cujo exemplo primeiro é Nossa terra e nossa gente, contos editados em São Mateus na gráfica de O Norte, por Tonion Carvalho, em 1939.
Finalmente, queremos ressaltar o grande esforço editorial da Universidade Federal do Espírito Santo que, por meio de sua Fundação Ceciliano Abel de Almeida tem publicado, nos últimos seis anos, cerca de 100 livros, com edições médias de 1000 exemplares, a maioria dos livros capixabas (diria mesmo a quase totalidade), mantendo uma linha editorial desdobrada em quatro coleções básicas: Estudos Capixabas, Letras Capixabas, Livro do Aluno, e a Coleção Taruíra (um regionalismo que significa lagartixa) dedicada à literatura infantojuvenil. Para se ter uma ideia, a coleção Letras Capixabas já lançou entre contos, romances, antologias, poemas, ensaio satírico e crônicas 17 volumes (*), que mereceram, mesmo fora do Estado, boa acolhida da crítica e do público, como aconteceu, recentemente com a Grammatica portugueza pelo methodo confuso, 2ª edição de Mendes Fradique, pseudônimo do médico Madeira de Freitas [5], bem como o da atual Secretaria de Produção e Difusão Cultural da UFES que, em dois anos, (1993-1994) publicou 24 livros.
Este pequeno ensaio deverá ser desenvolvido com um levantamento bibliográfico completo e todos os livros editados no Espírito Santo (ou por autores capixabas) que, segundo consta, está em elaboração pela Biblioteca Pública Estadual. E, conquanto a regra geral de publicação aqui seja a dos livros editados pelos órgãos estatais, ou custeados pelos próprios autores, verificamos que já se fez muito mais do que consta numa obra que pretende ser a história do livro no Brasil, na qual o autor - não por carência do tempo, mas por falta de pesquisa - faz sobre o Espírito Santo aquelas mínimas referências inicialmente citadas.
Notas
1. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil (sua história). São Paulo : EDUSP, 1985, p. 522.
2. Cf. DAEMON, Basílio de Carvalho. Província do Espírito Santo, sua descoberta, história, cronologia, sinopse e estatística. Vitória, 1879, p. 331. CLAUDIO, Afonso. História da literatura espírito-santense. Rio de Janeiro : Biblioteca Reprográfica XEROX, 2 ed., 1981, p. 530-1, e o próprio HALLEWELL, Laurence, op. Cit. P. 121-2.
3. “O nosso maior gramático”, como o chama Afonso Cláudio, op. cit., p. 250.
4. O autor se recorda de suas primícias poéticas (Bilhetes para Cervantes e Poesia entressonhada) que foram publicadas a prazo, pelo velho Maneco Pimenta, de Vida Capichaba, em 1947 e 1948.
5. SANTOS NEVES, Reinaldo. Fundação Ceciliano abre espaço para o escritor capixaba. In: Revista do Instituto Jones dos Santos Neves, ano IV, n. 2, abril-junho 1985, p. 21-3.
Nota do Tertúlia
Renato Pacheco publicou este texto originalmente em 1985, no número 34 da Revista de Cultura da Ufes. Naquele ano, a coleção Letras Capixabas realmente integrava 17 títulos publicados. É provável que ao rever o artigo para publicação em seu livro Estudos espírito-santenses, de 1994 (de onde retiramos para esta publicação), ele tenha se esquecido de atualizar a informação de que até 1989 a coleção era composta de 40 títulos. É certo que RP tenha atualizado seu artigo, pois logo em seguida, no mesmo parágrafo, ele faz referência aos 24 livros publicados na coleção A Cultura na UFES, da SPDC/UFES, entre 1993 e 1994.