Pois é: nunca esperei que um ministro do Tribunal Superior do Trabalho se tirasse de seus cuidados para dizer como ele e eu nos “encontramos” nesse mundo de Deus... E aconteceu: o ministro José Carlos da Fonseca, capixaba calçadense, houve por bem (!) contar, aos leitores desta A ORDEM, como foi que ele e eu nos viemos a encontrar. José Carlos omitiu um detalhe que é, por sinal, o que eu lembro melhor: de uns “encontros” que tínhamos, ele e o poeta Moacyr Félix e eu, nas madrugadas de Copacabana, quando nos deixávamos ficar até às tantas conversando sobre – pasmem! – filosofia... É claro que nossas “filosofanças” ou “filosofâncias” não ajudaram a salvar nossa pátria (lembro-me de um poema de Vinícius de Moraes – “pátria minha, tão pobrinha!”) dos sacos sem fundo em que ela parece ter-se metido, mas o fato é que nós filosofávamos à beça, e se nossas ideias, sempre tão “brilhantes”, não eram seguidas pelos governantes e governados destes nossos Brasis – o que era que a gente podia fazer, não era mesmo?
José Carlos conta, em sua crônica “Meu encontro com G.C.”, publicada neste jornal de nossa querida cidade, coisas das quais eu nem me lembrava; e foi esquecer logo essa, que eu lembrava tão bem... Sim que me lembro também daquele poeminha sobre o “gato siamês”, que Pedro Caetano tentou musicar. A ideia de Caetano (Pedro) era dar aquela música para a cantora Marlene, se não me engano, gravar, para o Carnaval que se anunciava (para dali a uns seis meses, “mas estava na hora”, ao que ele dizia). Mas o Carnaval, aquele, passou, e a música não foi posta em disco, etc. – e até acho que foi melhor assim: é melhor que ela seja lembrada só pelos Rodrigos e outras crianças calçadenses, já que foi “criada”, de assim se pode dizer, para fazer chegar o sono aos filhos deste calçadense que ora lhes escreve. E para que outros meninos calçadenses possam decorá-lo, aqui vai o poema, inteiro (sem a música de Pedro Caetano, é claro): “Era uma vez / um gato siamês. / Caiu do armário, / quebrou-se em três, / o dono dele, / que era chinês, / contou a história / mais uma vez.” É o que se chama um “poema redondo”, desses que sempre retornam ao começo; e era com ele que eu me punha a lerolerar, se assim posso dizer, à cabeceira de meus filhos, então pequenos, até eles pegarem no sono... É verdade que também cometo meus abusos, e em certas reuniões, quando alguém se lembra de me pedir para “declamar” versos meus, etc., eu digo que só me lembro de UM de meus poemas – e lasco este, do gato siamês. E é “tiro e queda”, como se diz também...
Mas José Carlos fala também, em sua crônica, de umas vezes em que me candidatei a cadeiras da Academia Brasileira de Letras. E, no fim, o mesmo José Carlos me sugere que repense no caso. Pois, meu caro José Carlos, já repensei até demais. E vou contar a você uma coisa que talvez convença, também a você, do acerto de minha decisão – primeiro, em me inscrever duas vezes, depois em nunca mais me candidatar...
Quando me inscrevi, pela primeira vez, como candidato a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, havia dois outros candidatos: a romancista Dinah Silveira de Queiroz e o ex-ministro Gustavo Capanema. Quando fui fazer minha inscrição, um funcionário da ABL avisou-me, com a máxima franqueza: “Acho melhor o senhor deixar para outra oportunidade, porque esta ‘vaga’ é da Dona Dinah”. Perguntei por que, a ele e a uma porção de outras pessoas “ligadas” às eleições acadêmicas, e as respostas, quando não eram muito evasivas, davam-me a entender que Dona Dinah era casada com um destacado membro do Corpo Diplomático, membro esse capaz de conseguir uma porção de vantagens para alguns acadêmicos. Pensei – como parece que pensa meu amigo José Carlos da Fonseca – que a Academia era um sodalício (?) de escritores, e que aquelas possíveis “vantagens” não teriam peso nenhum na votação dos acadêmicos... Ledo engano meu, como depois vim a saber. E eu me candidatei a uma “vaga” na Academia Brasileira de Letras por influência de meu amigo Raymundo Magalhães Junior, que uma tarde, num encontro fortuito na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, da qual era ele presidente e eu era associado, então ele me falou: “Você devia candidatar-se à Academia, meu caro. Sabe que lá não temos, nem jamais tivemos, nenhum representante do Espírito Santo?” Saí dali com a chamada “mosca azul”. Telefonei para Rubem Braga, e Rubem disse que não, e não; por isso e por aquilo. Falei com ele da falta de um representante capixaba na ABL, mas ele continuou negaceando. Acenei com a possibilidade de uma candidatura minha, e Rubem respondeu que sim, que ele me daria “todo o apoio”. José Carlos de Oliveira, meu amigo, consultado, também me respondeu que não queria nada com a ABL.
Mas, como todo candidato que se preza, fiz minhas “visitas” regulamentares a alguns acadêmicos, muitos deles meus amigos de lides literárias fora da Academia e algumas até bem pouco acadêmicas”, por assim dizer. Foi para mim um prazer enorme ir à casa de alguns bons e velhos amigos e conhecidos, todos muito simpáticos mas em sua maior parte já “comprometidos” com Dona Dinah.
E foi assim que, às vésperas da eleição, achei melhor “tirar meu time de campo”, como se diz: escrevi ao presidente da ABL uma carta longa, em que eu tentava “explicar” minha desistência, e abria mão de minha candidatura em nome do ex-ministro Gustavo Capanema. De nada adiantou esse “sacrifício” meu: Dona Dinah ganhou por larga margem de votos. E eu tive dois – DOIS – votos...
Na vez seguinte, quando morreu outro “imortal” da Academia, lá fui eu, cheio de fé e esperança, etc., inscrever-me como candidato, mais uma vez. Dessa vez havia o Papa anunciando para breve uma visita ao Brasil, e a Academia queria receber uma visita do Papa – e para isso iria eleger um “figurão” da Igreja Católica, o padre Dom Marcos Barbosa. Elegeram Dom Marcos, e ele não foi capaz de levar o Papa à Academia. Dessa vez tive apenas UM voto. Um belo dia encontrei-me com o acadêmico Orígenes Lessa e comentei com ele o fato; e ele me falou: “Você teve o voto de qualidade.” Achei graça, e perguntei se o tal “voto de qualidade” teria sido o dele: não, não fora.
Aí passei a achar que a eleição para a Academia Brasileira de Letras pouco tem a ver com os méritos literários dos candidatos, e resolvi não me candidatar mais. Haveria necessidade de alguns conchavos, e fiquei pensando que meus conterrâneos não estavam precisando de mais um “conchavador”. Aí está, meu caro José Carlos, como e quanto pensei e repensei no caso da Academia Brasileira de Letras: se fosse para eu entrar lá como um representante das LETRAS capixabas, eu iria com muito orgulho, mas não sei se seria para mim razão de orgulho entrar para a ABL na base de conchavos que pouco ou nada têm a ver com a literatura. E agora? Você ainda quer que eu volte a “repensar” o assunto? Será que algum conterrâneo meu ainda quer isso? Duvido muito. Duvido “e faço pouco”, como se diz...
Publicado originalmente no jornal A ORDEM, ano LXII, São José do Calçado, domingo, 2 de julho de 1989, nº 2.514.
Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e a Academia Calçadense de Letras.