Eu já vi este filme...

Geir Campos

Leio nos jornais e vejo nas telas de televisão que o Brasil (“gigante pela própria natureza”, mas deitado eternamente, etc.) está favorecendo as exportações, em vez de promover o consumo de seus produtos no mercado interno; leio e vejo que o Brasil, no afã de “fazer divisas” em moeda estrangeira, deixa que se avilte a moeda nacional e, com ela, os salários dos trabalhadores brasileiros em todos os níveis, propiciando a chamada “evasão de cérebros” e outras mazelas sociais. Leio e vejo que o povo brasileiro, para pagar uma dívida externa de centenas de bilhões de dólares, dos quais não chegou a ver nem um centavo, dívida assumida por governantes militares com a aprovação de um Congresso cujo funcionamento era coonestado por um MDB incapaz de reagir sob a liderança do Doutor Ulysses, um “democrata” meio engraçado, acho eu... – pois para pagar essa dívida o povo brasileiro contribui com os ônus da inflação e tantos outros, apesar da balela do tudo pelo social, etc.

Leio e vejo tudo isso, e chego à infeliz conclusão de que eu já vi este filme, como se diz; e foi na Venezuela, há uns quarenta anos.

Fui a Caracas, cidade Capital da Venezuela, como correspondente internacional do vespertino O Globo, substituindo eventualmente meu bom amigo José Guilherme Mendes, que tivera um desentendimento com a direção do jornal.

E em Caracas fui hospedado, como um bom número de jornalistas estrangeiros, no grande hotel Tamanaco, que acabara de construir-se. Lembro-me de que um dia, na hora do almoço, pedi uma salada de tomates e alface. Lembro-me de que o garçom olhou-me com cara de grande espanto. Mas fui servido com os pratos que eu pedira, a salada inclusive. Só na hora de pagar o almoço é que entendi aquela cara de espanto feita pelo garçom quando pedi a tal salada: era o prato mais caro, dos que eu havia pedido. Perguntei o motivo daquela carestia toda, e o garçom explicou: “É que as verduras e os legumes vêm todos da Flórida, por avião”. Perguntei, mais, por que os venezuelanos não plantavam frutas e legumes e verduras, e ele respondeu com muita cordialidade: “É que o nosso solo não é bom para plantações: no solo da Venezuela só dá petróleo. Agora estão dizendo que também dá ferro...”

Estava começando a entrar em funcionamento a grande estrada de ferro de Cerro-Corá, por onde o minério de ferro venezuelano era diretamente levado aos navios que o levariam para as usinas estrangeiras.

Penso muito em Cerro-Corá quando leio ou vejo alguma coisa sobre essa Ferrovia do Aço, por exemplo. E penso muito em nosso chão, onde aprendi que “em se plantando, tudo dá”, quando leio e vejo que nossos governantes andam tão entusiasmados com a exportação, em detrimento de nosso amplo mercado interno. Penso que daqui a pouco estaremos comendo alface e tomates vindos da Flórida, talvez por avião...

E o que mais impressionado me deixa é que não vejo nenhuma das grandes organizações de trabalhadores – nem a CUT, nem a CGT – e nenhum dos “representantes do povo”, na Constituinte e no Congresso Nacional, levantar a voz para alardear o mal que se está fazendo ao Brasil, ao povo brasileiro...

E é claro que o final deste filme todo não vai ser um final feliz, como não foi em nenhum país que colocou a exportação acima dos interesses de seu próprio mercado interno. O que estou vendo, no Brasil, é o trabalhador brasileiro com um salário cada vez mais aviltado e aviltante, propiciando uma mão de obra baratíssima que, por seu baixo preço, e só por isso, pode concorrer com qualquer produtor estrangeiro...

– Mas será esse de fato o melhor caminho para o povo brasileiro?

Publicado originalmente no jornal A ORDEM, ano LXI, São José do Calçado, domingo, 17 de abril de 1988, nº 2.453.

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Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e a Academia Calçadense de Letras.