Depois de, em 2022, ter publicado A noiva de Paris, um romance psicológico e sociológico que muito traz de escrita marcel(a)-proustiana, para manter-se sempre lembrada no circuito literário não mais precisaria anunciar um outro título a ficcionista Marcela G. Neves. Escritora inquieta tal como o é na leitura desde tenra idade, doravante ela expõe a público um feixe de poemas. Ao volume não à toa o intitula Poemas de arrebol.
Tonalidade avermelhada (ou alaranjada) que, por vezes, o horizonte assume ao nascer e ao pôr do Sol, logo, arrebol simboliza início ou fim de um ciclo astral. Sim, solitário, jamais individual. Ao contrário dos poetas líricos, aqui não se detecta aquele lirismo encontradiço sobretudo em debutante livro; e este, constituído por 33 textos, contém temáticas diversas. Seu eu-lírico é o seu olhar filosófico sobre os seres e sobre as coisas.
Ora a poeta passeia, mesmo, pelo desamor, pelo desencontro amoroso, ora, em jogo verbal, é amor ágape a ser construído no frívolo cotidiano que, não raro, destrói um vínculo afetivo; ou é o amor eros sublimado por advérbios de adversidade (mas, porém, contudo, todavia...); entretanto, quase sempre é caminhada aristotélica - a escola peripatética - com elucubração agora de viés existencial, por conseguinte ao leitor evocando reflexão, autoconhecimento.
Mulher culta, estudiosa, francófona, noiva da Filosofia, não poderiam estar ausentes, no rol desse Arrebol, nem Cinema nem Literatura; e esses surgem, em títulos, como intertextos, assim ampliando o universo imaginativo de quem a lê. Bibliófila, canta a busca da paz nos livros, e também a alegria de estar em meio a eles. Melhor ainda se tudo incensado pelo aroma e fruído pelo sabor e aquecido pelo calor da rubiácea em infusão: o café na xícara (“Às colheres de café andei medindo a minha vida” - T.S. Eliot).
Há um momento em que se (re)volta contra a sociedade por demais falocrata, contra o totalitarismo, mas sem discurso catilinário, meramente engajado. É com estilo: mesmo em áreas minadas, a senhorita das palavras opta por uma poemática impregnada de tom sóbrio, elegante, a norma culta não muito a ferindo - coloquial, sim, porque queira eufônico o ritmo frasal - nem quando se utiliza de expressões idiomáticas, de adágios populares.
Também lhe são motivos o louvor à Natureza (Pachamama, a Mãe Terra), a ternura do berceuse (para ninar filho) em criativo/recreativo uso de termos em mesma área semântica (aqui, a fauna; lá, a flora).
Suas metáforas dizem muito. Emprega linguagem sedutora, não somente pela riqueza vocabular, mas pela precisão, pela economia verbal, pelo ritmo ágil. Nada fica a dever às melhores poetisas nacionais; e ela, Marcela Neves, teve berço natal em Pernambuco (Olinda), terra de notáveis literatos, de extremo culto às Artes todas, vindo aos onze anos para um Espírito Santo em cujo território escreveram padre Anchieta, Rubem Braga e Elmo Elton, para ficarmos apenas nessa trindade.
A fim de propiciar boa mostra do que ora afirmei, exorto, pois, o leitor a prestar muita atenção nos seguintes poemas: “Convencimento” (p. 3), “A última noite” (p. 5), “Cicatriz” (p. 10), “Nosso bordado” (p. 13) e “Sem explicação” (p. 9). Com esses, especiais, a nosso ver, é com refinada sensibilidade artística que cumpre Marcela aqueles paradigmas (fanopeia, logopeia e melopeia), propostos por Ezra Pound enquanto abalizado teórico (in ABC da Literatura).
Ao final de sua leitura, creio que o interessado ledor irá reler alguns e, também, recomendar aos amigos essa inicial obra poética vinda a público; já conhecidos alguns textos porque divulgados no site da autora, o Vida Livresca (www.vidalivresca.com.br).
Embora sem amarras de métrica, de rimas (toantes ou soantes), bem sabe a autora que ritmo e letras estão em tudo: no verso e no Universo. E presentes até na aparentemente fria Matemática - com polinômios (em equações), com sequências (Fibonacci, progressões aritmética e geométrica) - que, gostemos ou não dessa, pode até gerar um bom e interessante poema, qual o da página 29.
Enfim, esses Poemas de arrebol muito jus fazem ao seu adjunto adnominal: se decretam início de promissora vida literária, anunciam, ao mesmo tempo, o fim de versos inéditos nunca predestinados à gaveta.
Marcos Tavares, autor de Gemagem (poemas) e de No escuro, armados (contos). Membro da Academia Espírito-santense de Letras.