Atas

Ata de março de 2000

Luiz Guilherme Santos Neves

Aos dezoito dias do mês de março do ano de 2000, último do Segundo Milênio da Era Cristã, reuniram-se, em confraternização gastronômica, os membros do grupo que se reúne nas manhãs de sábado, na Livraria Logos, na Praia do Suá, Vitória-ES (reuniões chamadas por alguns de Sabalogos), a fim de comemorar dez anos de existência. Conta a lenda que o grupo se formou do encontro, um quase desencontro, de dois dos seus atuais integrantes, Serginho Bichara e João Bonino Moreira (considerado o Papa do grupo, um papa meio à la Bórgia), os quais, tendo se sentado lado a lado à mesa redonda de vidro, que se tomou távola rasa do grupo, de soslaio se olharam, de perfil se examinaram, e pela palavra se identificaram no gosto em comum pela leitura dos bons (e maus) autores. Com o passar do tempo, o arco da mesa ocupado pelos fundadores foi se fechando em círculo graças à chegada de novos aderentes – os que foram aceitos, porque muitos são rejeitados. Aliás, a forma de aderir é ser penetra, pedir licença, como manda a boa educação, puxar a cadeira, se ela estiver por perto, ou pegar uma que esteja a serviço das mesinhas inexpressivas, em outros cantos da Livraria, e se achegar aos que já estão "enrodados". Chegar aos bons? Nem tanto. Mas esta chegança não quer dizer aceitação, pois o grupo tem as suas químicas e idiossincrasias. Ninguém assina ficha nem recebe número de matrícula, não há solenidade de posse nem discurso de recepção como numa academia de foros consagrados, mas só se poderá considerar integrado ao círculo se o círculo, dentro de mais duas ou três sessões, não repudiar o penetra. E por que repudiaria? Insondável mistério este que é da natureza do grupo, do seu mais inexplicável âmago, como se fosse uma pirosfera fervente e azeda capaz de vir à tona contra o rejeitado. Este fogo ­fátuo incontrolável talvez seja resultado do pecado original que vem daqueles olhares de soslaio, lançados entre os dois primeiros fundadores, desconfiados e avaliativos. Apesar dessa idiossincrasia original o grupo cresceu, o arco da mesa de vidro, inicialmente ocupado por poucos, foi se tomando círculo, um circulo elástico e de composição heterogênea dada a diversidade dos seus componentes. Dentre estes, nada de padres, pastores, políticos e pilantras. Mas nele se integram professores, bancários, advogados, funcionários, procuradores, um engenheiro elétrico de celular sempre alerta, um juiz federal (data vênia), um psiquiatra (sim, por que não, que tem a seu favor a desculpa de seguir a escola freudiana, estando proibido de fazer análises nas sessões do grupo), além de muitos escrivães, que todos são escrivães em seus ofícios diários, sem que nenhum seja escritor metido a besta. E mulheres? Mulheres também, desde que não compareçam a mais de duas sessões seguidas ou três intercaladas. O círculo as trata bem, cavalheirescamente, quase com galanteria, dando-lhes a atenção que a Poesia Provençal dedicava à mulher no tempo do "amigo­amiga", dando-lhes a consideração que o Dia Internacional da Mulher recomenda que lhes seja dada, mas não podem abusar. Machismo? Talvez Grijó, o Moço, berrasse que sim, e daí? Mas eu, mais maneiroso em minhas dogmatices, prefiro dizer que se trata de gentileza para poupá-las das inconveniências de ter de ouvir as anedotas cavernosas que maculam o grupo. Porque, nele, de tudo se trata e de tudo se fala, até da salvação do Brasil, que seus membros têm, às vezes, otimismos distraídos. Aquele papo de sondagem de preferências literárias com que os dois fundadores se avaliaram na fase da nebulosa em que o círculo começava foi só uma medida de verificação de preferências pessoais. Ninguém vive, no grupo, tratando apenas de literatura, apesar de todos se reunirem em torno de livros e à base de cafezinhos, oferta da Casa, sempre atenciosa – vá lá o comercial – e também, às vezes, muito de vez em quando, à base de um vinhozinho tinto e matinal, o que causa estranheza a alguns telespectadores e raros convidados – vinho de manhã?). Ao que lvan Borgo rebateria, italianamente, taça espetada no ar: E por que não? Ham, ham, ham! Creio que foi o Miguel Depes Tallon, nosso saudoso Miguel, a segunda baixa do grupo (a primeira foi Grijó, o Velho), quem inaugurou as rodadas de vinho, discretas e marotas, um bom tinto caliente, servido em doses de eucaristia. E já que falamos de vinho, saúde ao grupo, e pelo menos mais dez anos de existência! Posto o que, eu, Luiz Guilherme Santos Neves, despreparado escrivão quando na mesa havia tantos outros de maior pendor e glória a quem pudesse ser confiada a tarefa, lavro a presente ata, que me foi solicitada ad rei memoriam, e que vai por mim assinada e pelos que igualmente a subscrevem:

 

Ata de agosto de 2001

João Bonino Moreira 

Aos dezoito dias do mês de agosto do ano de 2001, passados 85 anos desde a fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, 70 anos do aparecimento do CORDÃO DA BOLA PRETA e 105 da constituição do CLUB DE REGATAS DO FLAMENGO, reuniu-se a confraria do Sabalogos, às 12 horas e 30 minutos, no restaurante do Hotel Porto do Sol, na Mata da Praia, para o já manjado almoço bimestral. A ementa (“ementa” é homenagem ao Getúlio Neves, que acaba de chegar da terrinha) escolhida foi a feijoada, muito embora, segundo a falecida filósofa Maria Nilce, feijoada e churrasco sejam comida de caminhoneiro. Mas nós, simples mortais caminhantes, não demos bola para a classificação da brilhante e saudosa jornalista e mergulhamos no caldo escuro do feijão, não dispensando, é claro, a parte sólida da iguaria, conhecida como entulho. A bem da verdade: melhores feijoadas – e muito melhores – temos deglutido, mas valeu pela companhia dos excelentes amigos presentes: Getúlio Neves, Luiz Guilherme Santos Neves, José Ferreira Neves Neto, Rodolfo Neves (uma verdadeira nevasca!), Renato Pacheco, Léa Brígida, Victor Biasutti, Sílvio Folli, Henrique Herkenhoff e este modesto escriba. Entre outras ausências – plenamente justificadas – notou-se a amplamente injustificada do Serginho Bichara, que vem adotando procedimento padrão quando a irmandade marca uma comilança: ou está de plantão ou vai fazer sala para um primo que chegou do Rio. Com muito mais facilidade teríamos engolido inteiras as costeletas de porco servidas do que as desculpas anêmicas do manhoso levantino. Aliás, o dito palestino sempre aponta para o lado direito do ventre, duas polegadas logo abaixo da última costela, onde está preso, no cinto, sob a camisa, um misterioso celular (este aparelho diabólico), que pode convocá-lo a qualquer momento para ir à casa de algum pobre coitado, alicate na mão, com a soez missão de cortar-lhe a energia. Fica o registro, que tem o caráter de desmascaramento, para o indigitado Serginho não pensar que nos está enrolando: o “ágape”, como diria o erudito marechal Teixeira Lot,ocorreu na maior cordialidade, alegrado por dezenas de piadas, “causos” e algumas garrafas de cerveja. Foi digna de nota a performance gastronômica da Léa Brígida (sempre convidada de honra, porém pagante), da qual tiramos uma conclusão: ou a confrade come muito devagar ou simplesmente come usando todo o apetite. Renato Pacheco foi discreto, naturalmente ressabiado pelos excessos que cometeu frente à lauta mesa do lanche em Iconha, na semana passada, quando, mareado, jogou injustamente a culpa do enjoo no cheiro de uma inocente linguiça de lá trazida pelo redator desta Ata. Como indicação de bons garfos, anotamos os nomes dos amigos Rodolfo e Getúlio (ambos Neves mas não caídas do mesmo campo de centeio...), seguidos de perto pelo Henrique Herkenhoff. E como nada mais houvesse para comer, encerrou-se o almoço às 14 horas e 15 minutos do já referido dia 18.08.2001, do qual eu, João Bonino Moreira, ainda com saudade da Interventoria que não mais me será dada, lavrei a presente Ata, que vai por mim e pelos demais feijoantes assinada.

 

Ata de outubro de 2001

Getúlio Neves

Aos vinte e sete dias do mês de outubro de 2001, reunidos os confrades gastrônomos nas dependências da Livraria Logos da Praia do Suá, foram abertos os trabalhos, votando todos em escrutínio aberto pela escolha do prato do dia e local do congraçamento. Após uma primeira tentativa frustrada de escolha do local, foi indicado escrutinador o escritor Pedro J. Nunes, não só pelo reconhecido trato que tem da coisa pública, mas também pela sua proverbial imparcialidade. Contados os votos, verificou-se então um empate entre duas categorias gastronômicas, massa e bacalhau, sendo que a situação veio a se complicar ainda mais com a chegada de Chico Grijó e Dr. Zé Neves, que lembraram de introduzir nos debates os pratos de carne.

Finalmente, ultrapassado o impasse pelo voto sempre de qualidade da Presidente Léa Brígida e a orientação segura do Timoneiro Luiz Guilherme, partiu-se ao encontro do bacalhau, para protesto de uns e gáudio de outros.

Mesa para quatorze, foi um almoço de extremos – os Capitães-Mores João Bonino e Renato Pacheco, por exemplo, quais guardas de honra, puseram-se nos extremos da longa mesa, garantindo depois a excelência dos trabalhos pelo exemplo de seus garfos famosos. Além desses personagens registrou-se a presença no local de Ivan-o-Borgo, Luiz Guilherme Santos Neves, Zé e Rodolfo Neves, Serginho Bichara e a Srª Dª Terezinha, a Presidente Léa Brígida, Henrique Herkenhoff, Carlos Campos Jr., Fernando Achiamé, Chico Grijó e este escrivão ad hoc.

Todos instalados, continuaram os trabalhos. Chegado à mesa o tira-gosto – bolinho de bacalhau –, as conhecidas limitações estomacais de Henrique Herkenhoff com relação aos frutos do mar ficaram evidentes de sua expressão ao ser confrontado com os apetitosos acepipes – pediu um prato de carne e batatas fritas.

Após algumas considerações genéricas sobre Roseana Sarney e Luís Inácio “Lula” da Silva, Serginho Bichara, arauto das virtudes da “Swinging London” dos “sixties”, confrontou-se mais uma vez, no plano da estética musical, com Prof. Grijó: teria sido Paul McCartney superior a Cole Porter ou a Gershwin? E Elton John? A discussão foi deveras enriquecida pelo Dr. Zé Neves, que para ilustração de todos pôs-se a tecer conjeturas sobre a repercussão (evidentemente extra-crônica policial da região metropolitana do Recife) de hipotético disco que fosse gravado pela Banda de Pau e Corda de Olinda com o título “Revolver”, como fizera aquela outra banda da região metropolitana de Liverpool. O Capitão Bonino meteu no assunto Maurice Ravel e até sobre a suposta superioridade da gravação de áudio analógica sobre a digital se discutiu então. No que o Prof. Grijó externou sua sincera opinião a respeito de Tom Jobim e da Bossa Nova – mesmo com o risco de ferir os brios de alguma sensibilidade nacionalista mais apurada –, o bom senso de Fernando Achiamé chamou atenção para os pratos já servidos, dissolvendo tão interessante colóquio.

Nesse meio tempo, que se passava no outro extremo da mesa? Não sei, e me penitencio por isto. Eram muitos pratos de bacalhau dali até eles, e aprendíamos de Henrique Herkenhoff que “o bacalhau”, além de não ter cabeça – como insinua a linda Ana Paula Arósio naquele comercial de telefone –, não passaria mesmo é de um processo de preparação de peixe salgado, o equivalente, dentre as comidas marinhas, à nossa carne seca. Esta interessante analogia levou nosso nacionalista Dr. Zé Neves a comparar a Escandinávia ao Nordeste brasileiro – aqui peço vênia para acrescentar pessoalmente, com nítida vantagem desta última região geográfica, porque como se sabe à Escandinávia lhe falta o nosso jerimum para acompanhar seu jabá marinho.

A certa altura, após estabelecida empiricamente a diferença entre os pastéis de Belém e os de Santa Clara, já não havendo mais que se comesse e bebesse, cuidou-se da conta. Alentada. Merece registro o fato de que o companheiro-adepto-da-carne-com-fritas, em nítida desvantagem pela disparidade de preços entre os pratos, nada disse, cavalheiro que é, e foi cuidar da divisão e arrecadação de valores. E o fato de que Sérgio Bichara, engenheiro, pessoa benquista e considerada na sociedade, de maneira revoltante empurrou sua despesa para cima da própria genitora, que maternalmente aceitou a 'facada'.

Ultrapassada a burocracia financeira, o Capitão Pacheco indicou-me para lavrar a ata dos trabalhos, honra que educadamente recusei, tendo nós como tínhamos à mesa o Prof. Grijó, literato e educador, que retornava, enfim, ao nosso convívio gastronômico. No entanto, para que se não perca a memória de quanto se comeu e falou naquele dia, lancei-me com pena incerta ao empreendimento de registrar os fatos acontecidos durante os trabalhos, ad cautelam, não só como meio de perpetuar a memória dos fraternos comensais, mas também para que na próxima expedição gastronômica nos lembremos todos de que nosso Apicius teresense, João Bonino, já decidiu, em último grau, que o prato principal do dia será MASSA. Ad referundum da Comissão nomeante, eu, Escrivão ad hoc, que a lavrei, indo por todos os presentes devidamente assinada.

 

Ata de março de 2002

Victor Biazutti

Não obstante o senegalesco que se abate sobre Vitória, nosso ponto de encontro do mês foi bem escolhido, agradável.

No joelho da esquina da Av. Rio Branco com a Rua do Boa Praça está o Restaurante “Spettacolo”. Espetáculo? – Moderemos um pouco. – Bom, sim!

Duas árvores enfeitam o centro do "saloon chic". Meias paredes separam o exterior do interior, desde o passeio, a favorecer a ventilação e a claridade do ambiente.

Presentes: A professora Léa Brígida, presidente do Instituto Histórico e Geográfico; o folclorista, entre os maiores, professor Luiz Guilherme, escritor; o preclaro desembargador, dr. José Neves e seu digno pupilo, o “benjamin” Rodolfo; Bonino, estudioso com profundidade de detalhes das razões e dos feitos na última Grande Guerra; Hormízio, a técnica personificada das publicações do Instituto; Getúlio Marcos, juiz, presença em nossas Tertúlias Acadêmicas (filho do distinto amigo Dr. Gélice, de quem espelha as grandes qualidades); Victor, nomeado por Bonino, em homenagem a Luiz Guilherme, "O Escrevente da Frota".

Chega o procurador federal, Henrique Herkenhoff, moço, equilibrado e responsável em seu ofício decisório.

Todos sentem a ausência do Dr. Renato, lamentando-lhe o prematuro passamento do genro.

Petisco de berinjela, com cerveja e vinho. Moderação na bebida. Água e refrigerante aos abstêmios, desde o “benjamim” aos seniores.

Composta a mesa, o último já sentado, Henrique, sugeriu ao garção reforço de berinjela. O espírito da cousa encheu o salão, completando-se a boa atmosfera. Mais duas porções de antepasto. Nem se percebeu o passar da onda que levou o burburinho gozador.

“Távola posta”, farta, de pronto se deu início ao jogo das “defesas”. Ouviu-se: “Como é ‘crack’ o ponta direita Hormízio, faz lembrar aquele famoso que ocupava o posto, no Mundial de 50”; a seguir veja o Bonino, o “meia”, desenvolve como Romeu do Fluminense, lembram? “Center for” está certo esse “for”, meu inglês anda arrastado... é o Dr. José, atua bem, no comando da linha, parece a encarnação do “Tim”, do Fluminense antigo... Ninguém mais recorda do Fla-Flu. Do lado, na meia esquerda, o “benjamim” Rodolfo... tem futuro o rapaz. Na ponta esquerda, o Getúlio, pensei fosse o inesperado Patesco, do “Estrela Solitária”, cruzando a bola pelo Botafogo. Na linha média, os “half”, professor Guilherme de um lado e, do outro, o Henrique, sem deixar passar nem pensamento. Faltou gente para “kiepper” e os dois “backs”. Hoje não faz sentido a colocação dos atletas no campo, como as pedras no xadrez, está tudo amontoado, atrás da bola. Nesta altura do campeonato, prefiro ser o gandula, é sempre um correr atrás da bola, meu tempo se foi. A sra. presidente, também ficou vigilante na torcida para o seu clube ser vencedor.

Fui o primeiro a chegar. Logo, sozinho, esperando os demais, para distrair mastiguei uma cervejinha com berinjela. Depois, atrapalhado, fiz apontamentos num guardanapo de papel, para a ata. Calei, mas dei tratos aos dentes, porque “ninguém é de ferro”. Postei-me mesmo como Vaz de Caminha no descobrimento e sonhei num pato assado, tostado, voando, delicioso, sobre o barco de nossa mesa.

Dr. José Neves comentava a boa carne, alvitrando a próxima reunião numa churrascaria, aplaudido por Dr. Getúlio e a maioria, pois o assunto pairou pelos 4 cantos da mesa. Bonino, um diplomata militar, com seus achados bélicos, distraia Getúlio e Hormízio.

Bom papo também era orientado agora pela professora Léa Rocha de Alvarenga Rosa e o ilustre professor Luiz Guilherme que, de improviso, sentiu a falta do Maxwell e seu caderno, concluindo, ficará para uma outra oportunidade. Ninguém opinou... porém, alguém disse, “pensemos sobre o caso”.

Hora do café. Todos satisfeitos. Ouvi: – Café especial para o Henrique, para suprir a berinjela que de início lhe faltou. O garção, agora solícito: – Certo, com minhas desculpas.

Comida boa, se não são recolhidos os pratos e as travessas, um beliscão aqui, outro ali... sem fome embora, começa tudo de novo. Comer bem é muito bom, falou o Getúlio ao Hormízio e ao Bonino, também eu, mas devo apontar a ata. Todos, todo-ouvidos, “assentiram com a cabeça”: – É bom mesmo.

Passou uma palavra voando, outras a seguir e uma frase me encafifou fugindo: – “Dois pesos e uma medida”. Confesso, não entendi, mas ficou registrada. Estou ficando meio duro de ouvido... também... : “O FMI apertou o cinto...”, seria do Brasil? ou do “embaraço” argentino? Num ângulo da mesa comentavam o filme – “Um homem chamado cavalo”. Ah! Era o exemplo platino, pois alguém concluiu lapidarmente: – “O Cavalo foi uma égua, pior ainda, uma besta.” Porém, todos concordes: – “Vamos salvar a Argentina, Brasil!” – “E nós, retrucou-se, aonde vamos?!” Se ficar, o bicho pega, se correr... “Falô, bicho... Atenção moçada!”

No outro ângulo, uma votação: 5 x 2, ganhou a proposta do Dr. José. Picanha ou maminha, na próxima vez. Na “Gramado”, ou no que souberem de melhor, desde que: Churrascaria. Palmas a partir do Henrique, rodando a mesa. Não deu pra saber quem foram os dois. Confirmou Rodolfo: 5 x 2. Peraí, alguém não votou, éramos nove... mas, sempre vence a maioria – 9 x O. Falou-se de João Cabral e Ferreira Gullar, poetas, escritores bons de Literatura, que rima com feiúra... O que vale é cultura, se disse. Consola.

– “Vem outro café”, gentileza do garção. Hormízio exigiu: “do Especial”, em comemoração à leitura da Ata da reunião anterior, por Herkenhoff. Estilo seiscentista, caprichada. Parabéns de todos. Ouvi, ainda, no ar, sonorosas, as palavras “Jacareúba” e “Carqueja”... churrasco... forno... casquinha de siri... azeite do bom e pão árabe. Até de Sêneca se falou, também da Dercy Gonçalves que, na “Playboy”, declarou: “Não tomo banho, uso perfume, ora pô!   

Bonino, quando moço, dizia, pensei ser Comandante de Navio, para sair livre pelos Mares do Sul e também do Norte... como um passarinho a voar sobre a águas... Ouvir sinos de Belém, engravatado, no passar Natais reminiscentes. Getúlio, ouvido por Rodolfo, o “benjamin”, referia-se a uma Revista Francesa... Do INPS... e de sentimentos como a “dor”... Lembranças, saúde... Suzanas Esculturais e o Brasil. De outra rodada Bonino, Léa, Henrique, Dr. José e o Rodolfo, o professor Luiz Guilherme, todos comentando o filme “Anjo Azul”. Eu apontava sempre para nada se perder.

Olha, não tomei vinho, bebi palavras soltas e ouvi frases. Desculpem minhas notas no guardanapo de papel quase se perderam molhadas na cerveja. Fiz o possível, espremendo, resultando o que aí ficou. Espetacular foi o almoço no “Spettacolo”. Obrigado.

 

Ata de maio de 2002

Carlos Teixeira de Campos Jr.

Almoço no Restaurante Spaghetti e Cia (1)

Estavam presentes no restaurante Spaghetti e Cia no dia 18 de maio de 2002, a partir da minha esquerda, o sr. Vitor Biasuti, funcionário aposentado do Banco do Brasil e poeta teresense; Hormísio, artista gráfico e experiente estatístico; Pedro J. Nunes, articulador de resultados e escritor; Getúlio Neves, magistrado, mestre por Coimbra em direito criminal, estudioso da história da música no Espírito Santo e com incursões, ainda no campo da pesquisa, pelo tema “Dificuldades enfrentadas pelos sacerdotes lusitanos na catequese de jovens índias das terras capixabas: uma abordagem metodológica”; Serginho Bichara, engenheiro eletricista, estudioso da língua inglesa, conhecedor e fiel admirador dos Beatles, sendo o morador da Praia do Canto que reúne a maior coleção de discos e fotografias do grupo inglês. O prof. e procurador da República Henrique Herkenhof, com alguns quilos a menos e com aparência mais jovial (é possível que naquele dia estivesse inaugurando um novo corte de cabelo); em sequência, o historiador e poeta, membro do ATT, grupo de pesquisa em Ambiente, Trabalho e Técnica no Espírito Santo, Fernando Achiamé, que aproveitou a oportunidade para declamar mais uma de suas pérolas –  “Cidades” – ­faço aqui um parêntese para lembrar a desenvoltura do amigo poeta, na difícil arte de comunicar artisticamente sua poesia – bem que ele dizia quando menino “... ainda hei de declamar como a profª. Maria Filina”; a profª. Léa Brígida, ilustre historiadora, a maior conhecedora da história do transporte ferroviário do Espírito Santo, nossa recém-reeleita presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo por unanimidade e aclamação (2); dr. Renato Pacheco, magistrado, homem de vasta cultura, o mestre de todos nós, escritor e possuidor de habilidade ímpar de aglutinar o grupo em torno de si; prof. Ivan Borgo de Araguaia, escritor e mestre na teoria econômica, o enólogo do grupo; o sr. João Bonino, funcionário aposentado do Banco do Brasil, escritor, especialista em Segunda Guerra, na história e nos bastidores da guerra; ainda na sequência, Luciana, odontopediatra e estudante de direito, sobrinha e convidada de João Bonino e por fim, o escriba que faz estes registros.

Feitos os pedidos e realizadas as preliminares, o almoço iniciou com o teste da rolha. A ala adepta do vinho delegou à autoridade máxima no assunto, o prof. Ivan Borgo, a escolha do vinho. Depois de criterioso exame da carta e feita a escolha da bebida, iniciou-se o ritual. Não me refiro aos atos de delicadeza de costume praticados, quando o garçom abre o vinho e dá para o cliente provar. O nosso ritual foi diferente. O garçom, lustrando numa roupa branca que mais parecia batina de padre em missa de domingo, ao invés de faixa branca atravessada no pescoço, pendurava uma toalha, igualmente branca. Circunspecto e um pouco nervoso diante da autoridade do cliente enólogo, iniciou a extração da rolha. Nesse momento o silêncio foi total. Todos, em gestos contritos, aguardávamos a liberação dos fluidos que emanariam da bebida. O respeito ao ato era tanto que até moscas se viram intimidadas a voar – as vibrações causadas pelo movimento de suas asas poderiam romper o equilíbrio da relação interativa entre o homem e o néctar dos deuses e alterar a qualidade da bebida. Todos ainda continuávamos tensos na expectativa do parecer da autoridade (3). Fez o minucioso exame da rolha. Observou sua umidade e discreto aroma contaminado pelo buquê do fluido. A umidade só atingira a sua extremidade. A bebida não tinha oxidado, este foi o parecer preliminar. A rolha foi passada para exame do dr. Renato, que, comprovando o feito, avalizou a primeira etapa do teste. Ainda sério, com toda seriedade que o momento requeria, empunhando o cálice da bebida na mão direita, com não mais que um dedo no fundo do recipiente fez movimentos giratórios, ora no sentido horário, ora no anti-horário, até que aspirou o buquê e ingeriu a bebida. Não fez bochechos, isto quem atesta sou eu, também não fica bem num almoço, e o prof. Ivan é um gentleman que não é dado a essas frescuras que só causam náuseas na gente. Foi perfeito na sua constatação e ainda inovou. Sério, balançou a cabeça afirmativo e sentenciou: o vinho é bom. O dr. Renato imediatamente ingeriu a bebida avalizando o parecerista. O garçom exibiu um largo sorriso e relaxou. Foi permitida a descontração. Tudo transcorreu no melhor espírito fraterno e a comida servida atendeu às nossas expectativas. Rimos, brincamos e fomos felizes.

Permito-me uma última observação. Despedimo-nos, uns pegaram carona com outros e foram para suas casas. Nesse dia algo não muito usual aconteceu para imensa felicidade do Bonino que nunca se viu tão cortejado. Havia uma disputa pelo menos entre três para ver quem levaria o Bonino para casa. Também, com aquela sobrinha...

(1) Primeiro registro: aproveito a oportunidade para registrar a habilidade do jovem talentoso escritor calçadense, autor de “Vilarejo”, Pedro J. Nunes, como articulador de resultados. A pendenga que já rolava mês inteiro, desde o último almoço – carne ou massa? Em que restaurante iríamos desta vez? ­foi resolvida em poucos minutos. Percebendo que o defensor ferrenho dos predicados da proteína animal, o dr. José Neves e o jovem acadêmico de direito Rodolfo Neves, este também seguidor do pai nas questões do reino animal, mas não tão resistente (confessou-me que também gosta de uma massa), declinaram do convite de acompanhar o grupo no almoço e, percebendo o descuido do Henrique, fiel escudeiro do dr. Neves nestas questões do paladar gastronômico, confabulou com um e com outro no pé do ouvido, no estilo do político mineiro, deu um sumiço por alguns minutos e logo apareceu ele, pronto – sentenciou: a mesa está reservada e o almoço é no Spaghetti e Cia. Não houve tempo nem para resmungos, estava tudo resolvido.

Segundo registro: este escriba, no uso de suas prerrogativas conferidas por indicação e aclamação geral, com poderes e total liberdade de registrar e interpretar o grupo durante o almoço do último dia 18 de maio de 2002, conclui que a articulação de bastidores e escolha do restaurante feita pelo autor de “Vilarejo” foi acertada.

Feitos os preâmbulos vamos à ata propriamente.

(2) Terceiro registro: A estrondosa vitória da profª. Léa no último pleito deve ser creditada ao resultado do seu belíssimo trabalho, tendo contado com a colaboração da sua diretoria, mas não podemos deixar sem referência a desenvoltura política de mestre articulada pelo sr. Frederico, que acabou conduzindo a eleição da professora por voto de aclamação – o sr. Frederico, para surpresa de todos, agiu no momento adequado. Fica, depois do feito, por nossa sugestão, o sr. Frederico, habilitado a se credenciar como bruxo para os próximos pleitos do Instituto.

(3) O escriba não desconhece a presença das demais autoridades no grupo, mas naquele momento só uma tinha importância.

 

Ata do almoço de 7 de dezembro de 2013 do Sabalogos

Pedro J. Nunes

Aos 7 de dezembro de 2013 desde o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, 28 de existência da Livraria Logos, 24 de existência do Sabalogos e após 7 dias em que se resolveu que os almoços há tempos interrompidos voltariam a acontecer, comparecesse quem comparecesse, ocorreu o tão inesperadamente fácil encontro de 7 comensais em volta das mesas pródigas da Churrascaria Espeto de Prata, em terras onde nasceu o Espírito Santo. Antes de abrirem-se os motivos atais, registrem-se ao evento as presenças de Caco Appel, Carlos Teixeira de Campos, Fernando Achiamé, Getúlio Marcos Neves Pereira, Henrique Geaquinto Herkenhoff, Ivan Borgo e Pedro J. Nunes ao redor da mesa do estabelecimento supracitado e registrem-se as ausências dos demais frequentadores dessa ilustre confraria, os quais, ausentes, tiveram suas ausências bastante sentidas, etc., etc., etc. Os preparativos tiveram início com o autor desta ata comunicando aos componentes da confraria a decisão que Getúlio Marcos Neves Pereira, Caco Appel e ele próprio tomaram de almoçar juntos no dia 7 de dezembro de 2013, chovesse ou fizesse sol, convidando-se todos os demais componentes do Sabalogos. Pródiga comunicação trafegou pelos obscuros corredores da Wold Wild Web, chegando a todos os proprietário de e-mails catalogados na cachola do missivista. Os acima citados atenderam aos apelos, e quem o não fez, o não fez com justificadas razões e mais não se diz. Registre-se que a reunião habitual transcorreu normalmente na manhã desse brilhante sábado, mais abrilhantado ficou com o comparecimento dos jovens da Confraria dos Bardos, que ali compareceram para sobraçar pesados volumes de livros de autores capixabas, os quais, não só dito como feito, lhes saíram debaixo dos braços para a rua da poesia. Já no aludido estabelecimento, nessa radiosa manhã, com que susto não foram todos – e nesse todos incluam-se os demais frequentadores do amplo estabelecimento – com que susto, como dizia, não foram todos surpreendidos com uma apresentação de um coral – de Mato Grosso do Sul, registre-se – que ali se desincumbia da fome depois de tanto cantar alhures, encaminhados e apresentados por ninguém mais, ninguém menos que a mui ilustre de nossas mais mui ilustres declamadoras para todas as horas Valsema Rodrigues. Enquanto assistíamos respeitosamente à apresentação do coral, um primeiro contratempo ocorria no perímetro de nossa mesa, pois que debaixo daquela cachoeira de vozes o comensal Ivan Borgo, ao receber sua tacinha de Germana, uma cachacinha pra lá de amarela, mandou devolver, pois que Germana, para ele, só poderia ser nome de cerveja. Explique-se que momentos antes o autor desta ata, na confusão de vozes, inclusive as do coral, havia oferecido a Ivan Borgo pedir também para ele uma dosezinha de sua bebida favorita injuriosamente chamada Germana – convenhamos, Germana não é nome que se dê a cachaça, o nosso Ivan está coberto de razão em confundir-lhe a natureza. Os comensais Fernando Achiamé e Pedro J. Nunes desincumbiram-se com dignidade de suas respectivas bagaceiras. Após essa inauguração etílica, decidiu-se, com Ivan Borgo na vanguarda, pedir-se uma garrafa de vinho tinto. Cheirada a rolha, investigada pela perícia de treinadas células olfativas de nosso estimado conhecedor, consumiu-se essa garrafa após um muxoxo de “tomemos” e um dar de ombros aquiescentemente emitidos pela autoridade. No mais, todos em razoável forma puseram-se a desfrutar das delícias da carne oferecidas pelo estabelecimento, misteres nos quais se sobressaíram uns e surpreenderam outros. Após o pratinho de agrião final de uns, a sobremesa de outros, fechou-se a fatura e fecha-se esta ata passada dentro das condições iniciais, a qual, lida e aprovada pelos que foram e pelos que não foram, mas é como se tivessem ido, vai por mim, ______, rubricada e assinada por todos, sendo, após digitalizada, devidamente arquivada pelo arquivista mor Sérgio Luiz Bichara.

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