Agradeço pelo convite da diretora do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas, a professora Rita de Cássia Maia, para proferir umas breves palavras nesta mesa redonda. À professora Rita Maia devo o convite para, no âmbito das comemorações pelos 155 anos de fundação da nossa Biblioteca Pública, produzir uma pesquisa sobre Braz da Costa Rubim, que é o idealizador da instituição. A pesquisa encomendada por ela rendeu tão bons frutos que foi de Braz Rubim como historiador que tratei na minha conferência de posse no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O texto foi publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo.
Mas com relação à Biblioteca, a ideia de Braz Rubim data de 1852, tendo a ela aderido o presidente da província, Dr. Evaristo Ladislao e Silva. Dois anos e meio depois era a Biblioteca instalada numa das salas do palácio da presidência, no mesmo dia 16 de julho em que se licenciava o presidente Sebastião Machado Nunes, sucessor de Evaristo Ladislao e que da mesma forma encampara a ideia, como veremos.
A instalação da Biblioteca, por sua importância, consta do relatório com que o Barão de Itapemirim, vice-presidente que assumira direção da província com a licença de Sebastião Machado Nunes, passa o governo ao sucessor.
O jornal Correio da Victória do dia 18 de julho de 1855 registrou o acontecimento, transcrevendo o discurso pronunciado na ocasião, que ficou a cargo do padre João Clímaco de Alvarenga Rangel.
João Clímaco de Alvarenga Rangel dispensa maiores apresentações. Sua importância para a vida cultural da cidade e da província nos foi atestada na biografia publicada em 1902 por Afonso Cláudio de Freitas Roza, autor da célebre História da literatura espírito-santense.
Nascido em Vitória, em 30/03/1799, aqui mesmo faleceu, em 23/07/1866. Sacerdote, foi orador sacro de destaque, chegando a pregar na Capela Imperial. Elegeu-se deputado geral quando ainda estudante do curso de Direito. Advogado, defendeu os escravos presos no episódio da Insurreição de Queimado. É o patrono da Cadeira 03 da Academia Espírito-santense de Letras.
Feitas essas rápidas considerações, devemos esclarecer por que motivo foi o padre João Clímaco o orador daquela segunda-feira, 16 de julho de 1855, em que a cidade ganhava a sua primeira biblioteca pública.
Surgida a ideia da instalação, tendo Braz Rubim comentado a respeito com amigos aqui residentes, o fato chegou ao conhecimento do presidente da província, Evaristo Ladislao e Silva, como já referido anteriormente. O presidente, então, nomeou uma comissão para se ocupar das diligências necessárias, que foi composta pelos Drs. José Joaquim Rodrigues e José Camilo Ferreira Rebello e mais o cidadão João Malaquias dos Santos e Azevedo.
Assumindo Sebastião Machado Nunes o governo da província, sucedendo a Evaristo Ladislao, entre outras providências fez instalar em 1854 o Liceu da Victoria, criado por lei de 1843, nomeando o padre João Clímaco como lente de filosofia racional e moral. Também lhe deu um lugar na comissão que cuidava da instalação da Biblioteca, em substituição ao Dr. José Joaquim Rodrigues. Quando da instalação, aliás, era o padre João Clímaco o diretor do Liceu.
Fosse por suas reconhecidas qualidades de oratória, fosse porque tenha passado a presidir a comissão encarregada, coube a ele proferir as palavras com as quais se deu por instalado aquele núcleo inicial desta Casa.
Registro que o exemplar microfilmado do jornal Correio da Victória que publicou o pronunciamento estava mutilado, e foi assim, incompleto, que passou aos arquivos nacional e estadual. Não me ocupei de procurar na íntegra as palavras proferidas na ocasião, nem mesmo de saber se terão sobrevivido. É que os trechos que podem ser transcritos das páginas do periódico, aliás a maior parte do discurso, nos põem a par da linha de raciocínio do orador e nos permitem dividir a fala em três momentos distintos, que tentarei assinalar durante a leitura do:
Discurso recitado pelo Dr. João Clímaco de Alvarenga Rangel, presidente da commissão encarregada da biblioteca publica da cidade da Victoria no acto de sua installação no dia 16 do corrente, é este o título do tópico. A partir daqui, fala o padre João Clímaco:
“As letras e as sciencias, Srs, no sentir dos varões mais illustrados, e esclarecidos, tem sido sempre o garante o mais eficaz da felicidade dos povos, e o sustentáculo o mais firme e o mais seguro das instituições assim naturaes, como convencionaes; e seu estudo servindo, como o manifesta a experiência, a iluminar o espirito, a estabelecer a rectidão do pensamento, a dispor a facilidade do raciocínio e a elevar-nos ao conhecimento da verdade, é sem duvida o vehiculo o mais conducente e próprio de fazer chegar o homem ao conhecimento perfeito dos deveres, que a religião lhe prescreve, e a sociedade lhe incumbe. Sim nelas pelo socorro da consciência, e da intelligência, encontra ele o pensamento de que VIVE no Soberano Árbitro, o Regulador do Universo aquelle amor, e SUBMISSÃO, que inspira necessariamente o benefício de sua creação, e da creação da infinidade de entes postos a sua disposição para servir a suas necessidades, e ao seu deleite, e cuja marcha regular é determinada depois de o encantar sobre maneira, e de um modo maravilhoso e estupendo coadjuva essas mesmas necessidades; nelas descobre elle, que deve a si próprio defeza e proteção; e a seos similhantes justiça, amizade e beneficência, como obrigado pela natureza a conservação das obras que das mãos potentíssimas do Supremo criador” - prossigo eu, deve constar nascem, ou vêm, para dar sentido ao período.
Assim falou o pregador, o professor de filosofia racional e moral, que vê o princípio de tudo no Criador, por inspiração de quem são instituídos pelos povos os princípios de regulação social.
Na segunda parte prossegue desenvolvendo a ideia iniciada acima, pondo em relevo a necessidade da instrução e o meio pelo qual se pretendia fazer frente à demanda. Faz, ainda, um breve relato das ações práticas que culminaram naquela solenidade:
[...] “complementos de uma instrução mais elevada, e aperfeiçoada, quero dizer, era mister franquear-lhe os meios de obter uma maior amplitude de esclarecimentos aos princípios e noções elementarmente recebidos. E como obter-se um tal desideratum numa cidade tão reconhecidamente balda de recursos literários, a senão crear uma livraria pública, onde os mancebos esperança do porvir da nossa pátria podessem beber mais solidamente as doctrinas indispensáveis ao perfeito desempenho do serviço público, e das obrigações sociaes?
O nosso ilustre patrício Braz da Costa Rubim comprehendeo esta necessidade, e esta sua comprehenção coadjuvada pelo espírito de um elevado patriotismo, e animada pela observação da marcha sobre o mesmo respeito seguida pelas províncias mais ilustradas do Império o convidou, ou como que o impelio a tomar a iniciativa de tentar a fundação de um estabelecimento tão reconhecidamente útil, e condicente para a ilustração dos seos patrícios. Communicou pois este tão honrado, como distincto, e prestimoso jovem o seo feliz pensamento a alguns dos seos amigos desta cidade e com a oferta de 400 volumes de livros e brochuras para servir de núcleo na creação projectada da livraria pública os interessou neste relevante serviço, e solicitou a sua coadjuvação.
Esta ideia reconhecida de suma importância e vantagem não somente por aquelles, a quem o mesmo se havia dirigido, mas até por todos, a quem estes a tinhao comunicado mereceu uma geral approvação, e levada aos ouvidos do ex-presidente desta província o Dr. Evaristo Ladislao e Silva, este iniciou uma subscripção, em que ele e o Exmo. barão de Itapemirim subscreverao generosamente as primeiras quantias. Mas, porque debaixo de um caracter particular era reconhecidamente impossível dar-se realidade a este tão vantajoso pensamento, começou o mesmo ex-presidente a revesti-lo de um caracter público e official nomeando imediatamente uma comissão para encarregar-se da impresa, e pedindo a cooperação da assembleia provincial no seu primeiro relatório que a esta apresentou.
Feliz foi esta sua attilada lembrança, e pois que aquella tão ilustrada, como patriótica corporação abraçou satisfatoriamente o pensamento levado a seo seio pelo Dr. Evaristo, e como permitirao então as finanças da província quotizou uma quantia em favor do novo estabelecimento”.
Há, neste ponto, outra lacuna no texto. Mas o orador encerra sua fala exortando a assembleia provincial a continuar dotando a Biblioteca dos meios materiais que permitam sua consolidação e regular funcionamento:
[...] “fazer prosperar a província, cujo destino está confiado a sua solicitude e dependente das disposições das boas leis emanadas do seo seio, não deixe de dotar a este útil estabelecimento com os meios indispensáveis a obter as obras elementares, e quaesquer outros livros necessários para se conseguir o fim a que nos propomos. Se assim acontecer veremos brevemente enriquecido o núcleo da livraria pública da Cidade da Victoria, que apenas começa hoje pobremente, mas sobre cuja elevação e engrandecimento nutre os mais sinceros e ardentes dezejos, e as mais bem fundadas esperanças”.
A mesma exortação ao legislativo fez o Barão de Monjardim, como vimos um dos que logo acorreram à ideia, ao prestar contas de seu governo à assembleia provincial.
Senhores, a biblioteca passou por altos e baixos. Depois de Braz Rubim, de Evaristo Ladislao e Silva e do Barão de Monjardim, teve nos seus anos iniciais ao menos outro benfeitor na pessoa de Eliseu de Souza Martins, que presidiu a província entre 1879 e 1880, e foi chamado por Inglês de Souza, presidente da província em 1882, de seu fundador.
Mas esta é outra história. Depois de tudo, penso que as fundadas esperanças referidas na sua fala pelo padre João Clímaco de Alvarenga Rangel de fato frutificaram, e da elevação e engrandecimento de nossa instituição não temos, 160 anos depois, nenhuma dúvida.
Muito obrigado.