Em se plantando...

Fui procurar em José Honório Rodrigues que passou a bola para Varnhagen... “com a chegada de Cabral a Porto Seguro...”. Ou seja, pelas autoridades citadas nenhum problema pendente quanto ao local do desembarque, exceto a pendenga sobre o acaso do “achamento”, o que não vem ao caso. Cabral chegou ao Brasil em Porto Seguro. Você, olhando o vasto mar à sua frente queda-se, mais uma vez, bestificado pela coragem daqueles navegadores do século dezesseis que em seus frágeis lenhos desafiavam o “duvidoso mar”, como o disse Camões.

Cabral chegou a Porto Seguro. Nenhuma dúvida. Arraial d’Ajuda é um distrito do município, mas seguramente não foi ali que ele aportou. Os recifes avistados pouco depois da arrebentação o impediriam. Então, onde? Especialistas ausentes, procuro saber como as informações sobre o local preciso onde isso ocorreu foi sendo filtrado para pessoas do lugar. As respostas são as mais variadas: Coroa Vermelha, Cabrália, etc. No restaurante, pergunto à mocinha que atende aos fregueses. Onde? Resposta: no Monte Pascoal. Apresenta seus argumentos e, entre eles, de que em Monte Pascoal mora seu tio. Nos olhamos e começamos a rir. Ela, um pouco encalistrada porque o detalhe do domicílio do tio escapou-lhe quase sem querer e só percebeu o descabimento da informação frações de segundo depois que lançou o argumento fatal. “Nada disso. Cabral desembarcou na barra do Cay porque não tinha mais água potável e ali há um grande rio” - disse o outro, triunfante. Mas aquele clima onde havia certa atmosfera brincalhona seria apenas mais um ingrediente nesta gostosa passagem por esse pedaço da Bahia cujas praias, para mim, têm uma qualidade fundamental: suas águas são morninhas.

De longe, pela janela do avião vi mais uma vez a força da vegetação por esses lados. Verdes de um verdismo radical. Mas agora, dentro deste jardim, pressinto particularidades de um mundo verde que me olha de igual para igual e me atiça a imaginação. É assim que percebo essas plantas que me rodeiam e vivem num simulacro de mundo humano. Veja, por exemplo, esse renque de hibiscos nitidamente inclinados em direção a um tufo de rosas vermelhas no outro lado da alameda. Observe ainda que, pelas frestas de uma latada, begônias úmidas assistem discretamente a essa corte ousada.

Ao cruzar o jardim em busca do café da manhã somos saudados por refrescantes e bem-vindos pingos de chuva. Já no interior do restaurante a chuva caiu mais grossa por uns cinco minutos e depois parou. Espera lá, isso já aconteceu ontem: uma chuvinha de cinco minutos e, depois, stop. Pela vidraça, via os restos de água escorrendo de folhas bem regadas. O que é isso? Assim já é vantagem demais. Um regador celeste? Proteção escancarada. Mas, pensando bem, com resultados tão bons, com as plantas respirando tanta felicidade, melhor a indulgência e que o regador do céu continue seu bom trabalho.

Uma pequena vingança capixaba: no hotel pedimos moqueca sem azeite de dendê, claro. Veio a moqueca sem dendê mas com óleo de coco. Ainda aprendem. Mas, à noite, uma cantina doArraial descontou comum fetuccini a quenenhum chef de respeito poria restrição. Portanto, culinariamente, empate, mas, em todo o resto, goleada em nosso turismo. Nem digo em quem, aqui em nossos pagos, porque há sempre a esperança de que aprendamos assim como os baianos aprenderão a preparar peixe na forma devida. Se bem que essa forma devida não resultou de nenhuma revelação divina como parecem crer donos de restaurantes da cidade de Vitória que cobram preços absurdos pelo prato.

 “Em se plantando...” Mas plantar é preciso.    

 

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