Não sei se lhes disse que tenho o hábito da cortesia. Sei que sou um sujeito anacrônico, meio sem graça na urgência destes dias, mas, já na idade em que estou, não tenho ânimo para mudar. Ainda que me envolva em situações de desfechos inesperados.
Pois bem, outro dia fui à padaria do bairro abastecer-me de cigarros. Desnecessário dizer que me sinto em casa na padaria do bairro: as balconistas, as meninas das bancas de guloseimas, as caixas, todas me conhecem e me devolvem as saudações. Creio que sejam sinceras, meu temperamento não daria ocasião a outra interpretação. Com o dinheiro na mão, dirigi-me ao caixa, era só pedir o maço de cigarros, pagar e ir-me embora, mas havia uma pequena fila: um senhor calvo, rosto cavo, muito alto, pagava sua conta, seguia-se uma menina com a mão cheia de chicletes, entre ela e mim uma jovem senhora. Vestia jeans e uma larga camisa branca, de algodão, o cabelo pintado estava quase todo amarrado displicentemente no alto da cabeça, nenhuma maquiagem. Poder-se-ia acreditar que ela houvesse dado uma rápida escapada até a padaria numa pausa entre o preparo do jantar e o último banho do dia.
Entre a rápida observação de meus parceiros de fila, vi também um lindo menino de cinco ou seis anos encostado perto de nós. Cumprimentei-o, claro, com um casual tudo bem, algo do gênero. A pobre criança pareceu haver sido atingida por um raio paralisante: baixando os olhos, deixava crer que seu maior desejo era enfiar o queixo na base do pescoço e sumir-se. Felizmente a jovem senhora que estava a minha frente socorreu a pobre criatura:
– Pode falar com o moço, meu filho, mamãe está aqui.
E virando-se para mim, esclarecedora como um verbete de enciclopédia:
– Ele está proibido de falar com estranhos, eu o ensinei muito bem, nunca se sabe a intenção das pessoas.
Antes que eu pudesse processar a informação que recebera daquela jovem senhora, a criança sofreu uma tão tremenda mudança de ares que difícil seria de acreditar que houvesse recebido instruções tão severas da mãe. Além de devolver ao meu cumprimento um rosto sorridente e simpático, mostrou-me as mãos cheias de balas e disse que se chamava João. Seguramente esse simpático menino parecia bastante feliz com a recente e efêmera reconquista da liberdade de falar com estranhos.
Creio que deveria ter ficado por aí: está bem, João, tchau. Seria, certamente, uma atitude mais contemporânea. Mas não pude me conter:
– Que tempo o nosso, em que proibimos nossos filhos de cumprimentar estranhos (o meu espírito – de porco –, em verdade, argumentava outro mote: “que tempo o nosso, em que impomos aos nossos filhos o resultado de nossa imaginação doentia”).
Felizmente para minha parceira de fila, sua vez no caixa chegara. Pagou rapidamente sua conta e, abraçando os produtos que havia comprado, agarrou João pela mão e, não podendo conter-se, com receio talvez de que eu esticasse a conversa, ou a seguisse, ou a assediasse (vá saber que atitudes têm os estranhos), atalhou:
– Olhe ali o papai – ela cria, talvez aterrada, que, com a apresentação desse papai invisível, pudesse conter qualquer comunicação que viesse a se estabelecer entre nós.
De meu pobre e efêmero amigo João, arrastado pela mão de sua jovem mãe, não esperaria mais nada senão que crescesse num mundo assustadiço e cruel, exatamente do modo como a mãe lhe ensinaria que fosse. Mas, ah, os tolos, os anacrônicos, os inocentes, os gentis, estes têm sua recompensa: antes de chegar à porta da padaria, adiante, João virou-se rapidamente para trás e sorriu-me um sorriso que mamãe não visse.
Certamente eu tinha um cúmplice.