Aeroportos

Há um amigo meu que diz: “Quando se parte, o aeroporto é um inferno. Mas é o paraíso, quando se volta.” Millôr Fernandes dizia não compreender por que uma pessoa entrava num tubo metálico impulsionado por dois motores a explosão só para curtir a noite de Paris. Como não gosto de arredar o pé de casa, e viagem só mesmo as que faço para o fundo de minha cabeça, forçoso me é concordar com ambos.

Aeroportos podem me causar as sensações mais inquietantes.

Quando espero o cancelamento, o atraso de algum voo, ou quando me chamam para o embarque, nunca sei o que é mais desagradável. No mesmo pé, no compasso do ideal de meu amigo, é impossível descrever a alegria de cada fibra de meu corpo quando pouso meus passos no solo do Aeroporto Eurico Salles, na cidade de Vitória, onde vivo. É hora de voltar para casa, aí sim, o melhor lugar do mundo.

Aeroportos sempre me evocam uma lembrança triste, como a de certa feita, anos atrás, quando após passar dez dias a trabalho no Nordeste, não encontrei a festa dos que aguardam no saguão de desembarque a chegada de alguém. Não vale a pena retornar se não há quem nos espere. Nada há mais triste do que tomar um táxi no aeroporto a caminho do nada. Melhor seria, certamente, virar nos calcanhares e tomar um voo para qualquer destino. Um olhar vazio combina com qualquer lonjura.

Outro dia saltei de meu carro na garagem de um shopping em Vitória. O acesso a esse shopping é feito pela laje, que fica na direção do aeroporto antigo. Aparentemente sua velha pista ainda é utilizada em certas condições, ainda que o novo aeroporto tenha sido inaugurado e receba voos regularmente. Caía a tarde, mas ainda havia bastante luz, e eu pude ver que um avião vinha se aproximando para aterrissagem. Voava cada vez mais baixo em minha direção. Logo aquela máquina extraordinária foi se tornando maior e mais barulhenta e, vindo em linha reta, passaria a alguns metros acima de mim. Não tive dúvidas, parei e fiquei esperando sua aproximação. Gostaria de poder descrever minha sensação diante da visão da parte inferior da enorme fuselagem e do barulho dos motores do jato quando passou sobre a minha cabeça. Para mim, no entanto, isso será sempre algo indescritível. Logo, deixando no ar o rastro de estupefação, o grande avião desapareceu atrás do muro do shopping, não mais sendo visto, deixando atrás de si um homem que não se decidia entre o encanto e o desencanto.

Ainda bem depois, mesmo quando eu bebericava um café no interior do shopping, se alguém me perguntasse – e ninguém me perguntou – o que eu tinha que perdia meu olhar numa lonjura imaginária, eu teria de decidir uma séria questão: pensando em aviões, eu sentiria orgulho ou vergonha de minha própria espécie? Porque aviões, passando sobre minha cabeça, ainda mais tão próximos, colocam-me no fundo da alma esse abismo, em mim duelando o bom selvagem de Rousseau e a besta fera de Hobbes. Porque se alguém me perguntasse o que eu tinha que perdia meu olhar numa lonjura imaginária, eu talvez respondesse algo como:

– Fico imaginando quanto engenho e arte não são necessários para colocar no ar um 737-800 (o modelo usual dos aviões de passageiro em uso no Brasil), que pode pesar com todos os lugares ocupados e carga completa em torno de quinhentas e sessenta toneladas no momento da decolagem. É que dá o que pensar a evolução de nossa espécie, capaz de uma conquista tão extraordinária quanto inventar o avião e a bomba de nêutrons com a mesma naturalidade. De um lado a engenhosidade humana coloca no ar um avião que aproxima pessoas e transporta desejos. Do outro, cria uma bomba capaz de aniquilar qualquer tipo de vida num raio de dois quilômetros de sua explosão.

Preferia voltar a ser o menino que ficava admirado das duas cortinas de fumaça dos aviões que passavam no céu de São José do Calçado, preferia ser esse menino bobo diante do desconhecido e do admirável. E que ainda acreditava na bondade da espécie humana. Porque não sabia nada acerca das dúvidas que o assaltariam quando se tornasse adulto e visitasse aeroportos.  

 

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