O sorriso da Mona Lisa

“Mãe, o riso da mulher se mexeu naquele quadro”, sussurrou o menino na sala de espera do consultório médico.

A mãe interrompeu a leitura da revista que tinha nas mãos, olhou a gravura da Mona Lisa na parede, deu um risinho de sapiência e disse para o filho: “É o retrato da Mona Lisa, um quadro muito famoso. O sorriso dela é um mistério... Até parece que se mexe de verdade...”  

“Não, mãe. Ele mexeu mesmo... Eu vi”, insistiu o menino falando baixinho, impressionado com a visão que tinha tido.

“Fica quieto, meu filho. Foi só uma falsa impressão que você teve. Preste atenção em outra coisa”, disse ela, voltando a folhear as páginas da revista.

“Mãe! O riso mexeu outra vez!”, murmurou o menino depois de alguns minutos, puxando a mulher pelo braço num sinal evidente de que começava a se mostrar amedrontado.    

A mãe encarou o filho de cima para baixo com olhar repreensivo e ponderou persuasiva: “É por isso que você veio ao oculista. Vai precisar usar óculos.”    

“Não é falta de óculos, mãe! Eu juro que vi a boca da mulher se mexer outra vez”, teimou o menino, convicto de sua certeza visual.  

Numa cadeira ao lado, um senhor idoso pediu licença e intrometeu-se no diálogo entre mãe e filho: “A senhora não me leve a mal, mas o garoto tem razão. Eu também vi o riso da Gioconda se mexer.” E fez o desafio: “Por que a senhora não presta atenção no quadro para confirmar o que eu e seu filho estamos dizendo? De vez em quando o sorriso se move num curto lapso de tempo. Não foi isso que você viu também?”

“Foi sim!”, confirmou o menino agradecido com o testemunho dado em seu favor. 

“Já que vocês estão vendo coisas, vou observar o quadro só para não dizerem que sou intransigente. Mas tenho certeza de que tudo não passa de imaginação...”, disse a mãe do menino com um sorriso giocôndico.      

Na antessala do oftalmologista estavam apenas os três: mãe, filho e o senhor idoso. Aguardavam a chegada do médico, enquanto a atendente, numa mesinha afastada, cumpria as funções de atendente, iguais às de todas as profissionais da mesma espécie.

 “Viu, mãe? Ele se mexeu outra vez!”, gritou o menino feliz da vida por ter percebido que a mãe acabava de ver o que ele e o senhor idoso também viram – outro leve esboçar de lábios da Gioconda em sua placidez de gravura decorativa diante deles.   

“Será que o quadro tem algum dispositivo para teste oftalmológico?”, perguntou a mulher dirigindo-se muito mais ao senhor idoso do que ao filho, depois de confirmar a discreta mobilidade do que havia visto. “Vou saber da atendente!” E foi tirar a limpo a hipótese que lhe havia ocorrido e que o senhor idoso disse que também tinha passado pela cabeça dele.    

“Senhorita: eu, meu filho e aquele senhor vimos o riso da Mona Lisa se mexer na nossa frente. Por que isso está acontecendo?”  

“Mona Lisa? Que Mona Lisa?”, perguntou a atendente olhando a mãe do menino com estranheza.

“A mulher da gravura pendurada na parede”, explicou a mãe do menino.

“Aquela mulher se chama Mona Lisa? Eu não pensei que tivesse nome!”

“É um quadro de Leonardo da Vinci, célebre pintor italiano”, explicou a mãe do menino. “O nome da modelo era Mona Lisa, conhecida também por Gioconda. O que está na parede é uma reprodução do quadro, mas dá para ver quando o sorriso se mexe. Você nunca reparou?”

“Eu nem sabia que a mulher tinha um nome, quanto mais que o riso dela se mexia... A senhora tem certeza do que está dizendo?”, perguntou a atendente visivelmente desconfiada.

“Claro que tenho. Eu também pensei que fosse ilusão de ótica do meu filho e do senhor ao lado dele. Mas quando observei a gravura vi que o sorriso se mexe de verdade... Você não quer dar uma olhadinha?”

Da mesinha onde a atendente estava não dava para fixar o quadro. Foi preciso muita insistência para que ela se dignasse, com indisfarçável má vontade, sair do seu canto para fazer a observação.

“Viu?!”, gritou vitorioso o menino flagrando a reação de perplexidade da recepcionista parada em frente da Mona Lisa.

 “Não é que mexe mesmo!”, disse ela com ar apatetado e a incredulidade incrustada no olhar. 

“Mas por que ele se mexe? É o que queremos saber”, interveio o senhor idoso irmanado no enigma intrigante.

“Sinceramente, não sei dizer. Nunca ninguém me falou sobre isso... Vou perguntar ao doutor logo que ele chegar...”, disse a atendente voltando mais que depressa a entrincheirar-se na segurança da sua mesinha de trabalho.

 Quando o médico entrou, antes que começasse a chamar os pacientes, a recepcionista contou o que estava se passando.

“Você viu o sorriso se mexer?”, perguntou o recém-chegado descrente do que ela lhe dizia.

“Vi sim, doutor. Mexeu mesmo. O senhor não quer ir ver também?”

“Nem pensar!”, disse o médico. E acrescentou: “Faz o seguinte: manda entrar o primeiro paciente, depois tira o quadro da parede e guarda no banheiro. Vamos dizer que eu vou examiná-lo mais tarde para descobrir o que está acontecendo. Não é bom ter no consultório um quadro que espante os pacientes como um teste antecipado de visão, até porque pode se esperar de tudo de uma pintura de da Vinci, embora sendo reprodução.”

“Está bem, doutor”, disse a atendente indo chamar o senhor idoso que estava na vez para o exame, enquanto pensava consigo mesma: “Este tal de da Vinci devia ter sido um tremendo bruxo...” 

 

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