O conciliábulo das sextas-feiras

Reuniam-se às sextas-feiras. Cada um deles trazia sua veste talar, alvíssima e recendendo a almíscar. Não era um odor agressivo, mas leve como uma aragem.

Tratavam-se uns aos outros por irmãos e, de fato, formavam uma irmandade de macróbios. No apartamento de cobertura em que se reuniam, diante do mar, comportavam-se discretamente, na prática dos seus rituais secretos.

À meia-noite, já estavam solenemente trajados, de capuzes à cabeça, lembrando fantasmas sentados em torno da mesa retangular que ocupava o centro da grande biblioteca, mergulhada na penumbra.

O mais velho deles, dono do apartamento, chamado grande-mestre, abria as invocações espirituais, à cabeceira da mesa. Não se ouvia na sala outro som, exceto os murmúrios invocativos do mestre, a que os demais respondiam por partes, cada qual ao seu tempo.

Toda a cerimônia durava cerca de uma hora e se encerrava com um cântico cantado em coro, as vozes moduladas num sussurrar de tartamudos para não provocar reclamações no condomínio. 

Ela estava no apartamento por acaso.

Havia sido convidada pelo grande-mestre, sem saber que ele era grande-mestre do que quer que fosse, para passar o fim de semana em sua companhia.

Não se precipite a malícia. O convite fora feito em tom respeitoso (o grande-mestre transpirava respeito) e foi aceito porque ela era afilhada de casamento dele, casada com um seu sobrinho, antes de o matrimônio ir para o vinagre.

Entre o padrinho e a afilhada se instalara, porém, uma amizade paterna e filial, reciprocamente falando. Nos fins de semana, ela sabia que o padrinho ficava relegado à solidão da velhice, sozinho num apartamento enorme, de aposentado rico, o que a deixava entristecida. A seu ver era uma forte razão sentimental para que aceitasse o convite que lhe foi feito até porque havia entre ela e o padrinho a ponderável distância de cinquenta anos na régua do tempo, a afilhada com 30, ele com 80.

É verdade que o padrinho tivera o cuidado de avisar que na sexta-feira alguns amigos vinham visitá-lo, tarde da noite, e depois iriam embora. Mas que ela ficasse domesticamente à vontade, no quarto de hóspedes, dormindo ou vendo televisão. Uma informação despretensiosa sobre a rotina existencial de um velho, que não mexeu com a curiosidade dela.

O que, todavia, ela não podia imaginar é que, lá pelas tantas, um dos participantes do cerimonial de secreta espiritualidade da qual jamais ouvira falar, batesse à porta do quarto onde estava encasulada para chamá-la a pedido do grande-mestre.

­ Que grande-mestre? - perguntou apatetada ante a estranha figura de bata sacerdotal (sem capuz à cabeça para não assustá-la).
 
- O grande-mestre seu padrinho - disse o emissário como se estivesse dando a informação mais trivial do mundo.

Para não passar por indelicada, aceitou ir, apesar de desconfiada. Vestiu sobre a camisola transparente um quimono azul-escuro com motivos japoneses e lá se foi em chinelos ao lado do seu bizarro acompanhante.

Mas não passou da entrada da biblioteca, quando se assombrou com o que aconteceu: todos os sisudos farricocos que estavam em volta da mesa puseram-se de pé para recebê-la, enquanto o grande-mestre a saudava com palavras de boa vinda: “Eis que chega aquela que, não sendo virgem, terá as honras de vestal em nosso meio.”

Quando ela deu por si, estava saindo do prédio às carreiras, com seu quimono de motivos nipônicos e os chinelos ligeiros.           

 

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