Como era o nome dele?

No tempo em que não havia televisão, somente rádio, e em que eu ainda era criança, ouvia-se um programa de emboladas do pernambucano Manezinho Araújo. Se não me engano, a abertura do programa (Radio Mayrink Veiga?) começava com a pergunta musicada “como é o nome dele?” E a voz inconfundível de Manezinho vinha pelo ar dando a resposta.

Pois estava eu agora diante de pergunta semelhante: “como era o nome dele?”

Meu primeiro ímpeto foi o de apelar para são Manezinho Araújo a fim de me ajudar a encontrar a resposta desejada. Mas foi apenas um fiapo de intenção que morreu atropelada por outra lembrança: a de que eu sabia o nome que devia lembrar para a resposta que me fora pedida sem precisar da ajuda de santo nenhum, menos ainda do rei da embolada.

Só que o nome não me vinha.

 “O nome dele, o nome dele... não diga!” — dizia eu pedindo tempo. “Vou me lembrar. Tenho de me lembrar!”

Mas o nome que me veio à mente foi o Gaspar de Freitas.

Era um livrinho de História do Brasil, o de Gaspar de Freitas. Letras miúdas, quase sem gravuras, para alunos do ensino primário. Creio que era o único existente naquela época. Não havia meio termo: ou se aprendia História do Brasil nas páginas do pequeno livro de Gaspar de Freitas, no Colégio Sagrado Coração de Jesus, de Dona Mariazinha Silva, ou não se aprendia História do Brasil.

Eu, de minha parte, me tornei um “gasparzinho”, isto é, um bom aluno de Gaspar de Freitas. Mas não tão bom que, mais de sessenta anos depois, me lembrasse da resposta à pergunta de como era o nome dele.

Mas em Gaspar de Freitas tinha o nome — dizia para mim a minha mente claudicante. “Eu sei que tinha” repetia eu no diálogo travado com os meus entorpecidos neurônios.

Tinha até — mas não ouso garantir com muita convicção — o episódio todo que provocara a pergunta — o gesto heroico do almirante holandês, de cujo nome eu procurava me lembrar, que ao ser derrotado em combate enrolou-se na bandeira holandesa e atirou-se ao mar profundo, proferindo a frase: “o oceano é o único túmulo digno de um almirante batavo”.

Frase de bravo, frase de patriota tragiheroico que, ao proferi-la, imortalizou a própria morte (dele almirante), transformando a derrota sofrida em vitória de quem soube morrer com a honra e a dignidade de que somente é capaz um almirante batavo!  

Então, como era o nome dele?

A pergunta me fora feita porque tinha sido feita antes, por um amigo comum, meu e de quem me perguntava, ao antropólogo holandês Geert Banck, durante uma sua palestra na Biblioteca Pública Estadual. O fato me estava sendo narrado a partir da frase do almirante batavo. Daí a pergunta que me torturava os miolos.

Como a minha busca desesperada do nome do velho almirante se alongasse de forma angustiante, disse o meu inquisidor: “Tome herbalife.”

“Thomas Herbalife?” — perguntei eu, por entender que fosse este o nome do almirante que me estava sendo informado.

“Não! Herbalife é um produto de origem fitoterápica que eu tomo para ajudar a memória. E tem dado certo... O nome do almirante holandês é Adrian Pater.”

 “É verdade!”, disse eu. “Adrian Pater! Como fui me esquecer dele?”

 “Tome herbalife”, repetiu cruelmente meu inquisidor.

 

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