Cacoetes

Vem do latim tardio, com derivação do grego, a palavra cacoete.

Não se trata de alta erudição da minha parte, que a tanto não chego, mas de simples consulta ao prestante Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha, a quem costumo recorrer para pescar a origem de algumas palavras do idioma pátrio.

Transitando além de Antônio Geraldo onde o significado de cacoete é “hábito repetitivo, mania”, eu capto outros sinônimos dicionarizados, tais como, mau hábito, tique, trejeito, momice, e ainda tendência para repetir automaticamente certas palavras e expressões.

Aqui chego ao ponto que desejava.    

Porque ando – e entre nós eu confesso - em busca de um cacoete verbal para adotar como experiência em meus escritos, talvez, quem sabe, para torná-los mais interessantes.

Cacoetes não há quem não os tenha ouvido, jorrando na fala de muita gente. Valem como apoio inconsciente do raciocínio em desenvolvimento para ser vertido em palavras, diriam os entendidos em linguagem hoje pomposamente chamados neurolinguistas.

Mas como me disponho a adotar conscientemente um cacoete escritural, quero me dar o luxo de escolhê-lo com capricho, visto que não há de ser um cacoete inexpressivo, só para me gabar de que me tornei o único escritor brasileiro que ampara em cacoetes os seus escritos. Não! Quero o meu cacoete com a graça de uma inovação nunca dantes sonhada por qualquer outro escritor, uma espécie de originalidade linguística de causar inveja a confrades e confreiras no campo das letras.     

Sei que o livre arbítrio não preside a escolha dos cacoetes na fala das pessoas. Eles simplesmente se implantam como vícios de linguagem que passam despercebidos àqueles que os articulam. Entram de intrometidos e permeiam frases numa repetição imperceptível para quem fala, mas enfadonha para quem os ouve. Podem ser duplos, como “claro e evidente”, “no fundo, no fundo”, “está entendendo?”, “etc. e tal...”; podem ser adverbiais como “obviamente” ou estranhíssimos como “de súbito”, cacoete de um alemão que aprendeu o português e o encaixava subitamente em sua fala, o que constituía um susto para quem os ouvissem; ou podem ainda ser curtos e quase inaudíveis como os interrogativos “sabe”, “viu” ou “né”.

Acredito que o último dos citados seja o mais comum dentre os de uso correntio na língua portuguesa, e também o mais conciso. Mas temo fazer a afirmação sem uma indispensável pesquisa acadêmica que me subsidie de dados estatísticos sobre a variedade de cacoetes que reinam na fala dos brasileiros com a prevalência do em relação a todos os outros. Dou até a sugestão para que a pesquisa de campo seja feita, esperando que por ela se empolgue alguma neuro-acadêmica de pós-graduação de Universidade oficial que, abocanhando a ideia, consiga uma bolsa de estudos do governo para levantar os dados de que necessito para que se tornem científicas as minhas afirmações sobre os cacoetes.

Enquanto espero, entretenho-me com alguns testes “cacoetais” e começo por verificar se o antes sobredito seria um bom cacoete para rechear os meus escritos.

Aqui se faz imprescindível um experimento objetivo.

Retomo então as linhas de abertura desta crônica para ver no que dá a intromissão do em sua a estrutura narrativa: “Vem do latim tardio, com derivação do grego, , a palavra cacoete, . Não se trata de alta erudição da minha parte, , que a tanto não chego, ...

Paro e releio o que escrevi e não gostei do que reli. Não me caiu no goto o né.  Melhor tentar outro cacoete. Seria uma boa escolha está ouvindo?

Conheci há muito tempo um senhor que tinha este cacoete em sua fala, só que o abreviava para taoin?, o que era a supra essência da redução de um cacoete longo à sua expressão mais singela. Quem sabe o taoin caísse bem ao meu novo estilo literário?

Dou-me ao teste.   

“Vem do latim tardio, com derivação do grego, taoin?, a palavra cacoete, taoin?. Não se trata de alta erudição da minha parte, taoin?, que a tanto não chego, taoin?...

Também não dá. A intercalação de um cacoete na linguagem escrita a torna ridícula e cansativa. A leitura vai aos trancos e arrancos. Meus raros leitores deixarão – penso eu – de serem meus raros leitores para me abandonar sem leitor nenhum. Estarei condenado a escrever para ninguém ler – autêntica pena de morte para qualquer escritor.

Caio, pois na realidade: nada de cacoetes nos meus textos, taoin?

 

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