Um romance mais do que histórico

Luiz Guilherme Santos Neves

Em 1860, alguns meses depois de D. Pedro II visitar o Espírito Santo, o fotógrafo francês Victor Frond, acompanhado do escritor e compatriota Alexandre Jouanet, repetiu grande parte do roteiro seguido pelo imperador. Seu objetivo era o de fotografar diferentes aspectos da terra capixaba para um projeto do governo imperial visando à publicação de um livro que, todavia, não se efetivou.

Mais de cento e cinquenta anos depois o historiador Cilmar Franceschetto lança a obra Victor Frond 1860 (*) em que rastreia as pegadas do francês na captação das que são consideradas as mais antigas fotos paisagísticas do Espírito Santo (dezesseis ao todo), datadas de meados do século XIX.

A obra de Franceschetto se compõe de três partes: o substancioso prefácio de Almerinda da Silva Lopes e as partes subsequentes, a cargo do autor: a primeira, de cunho propriamente historiográfico; a segunda, em que Franceschetto, dando asas à imaginação, se aventura pelas “trilhas do romance histórico” para contextualizar o itinerário de Frond em terras capixabas, “dentro das probabilidades do acontecido.”

De grande valia foram ainda para Franceschetto seus conhecimentos sobre a técnica e a história da fotografia e as exaustivas pesquisas de arquivo e bibliográficas que realizou para embasar principalmente a parte romanceada do livro, intitulada Viagem do fotógrafo Victor Frond à província do Espírito Santo

Acrescentem-se a isso as diligentes investigações de campo que empreendeu para, calcando-se nas imagens realizadas por Frond, tentar identificar – o que logrou com notável plausibilidade – os locais exatos, que foram ilustrativamente demarcados em gravuras, em que o francês armou o seu tripé para produção das fotos.

Feitas estas considerações, assinale-se que a questão que vai nos importar neste comentário cinge-se à parte do livro que o autor definiu como romance histórico, recurso literário de que se valeu para, pela dicção de um narrador em terceira pessoa, enveredar com liberdade pelo “campo das subjetividades na tentativa de imaginar algumas das intenções dos protagonistas” (Frond e Jouanet), bem como para descrever suas “andanças e possíveis aventuras entre Vitória e o interior da província”.

Nem por isso Franceschetto deixou de indexar sua narrativa a um copioso elenco de notas referenciais, buscando dar o máximo de credibilidade histórica aos voos da criatividade autoral. São 108 notas que subsidiam as 185 páginas do romance (verdadeiro texto à parte, de 16 páginas), a que ele insistentemente remete o leitor como se a cada avanço da narrativa o historiador existente no autor ficcional quisesse advertir que sua imaginação trabalhou sobre um background de dados comprovadamente conhecidos.

Foi essa estreita e obsessiva vinculação do real histórico ao ficcional (visível preocupação no fio condutor da narrativa), que me levou a indagar sobre o tipo de romance histórico que foi escrito, sobretudo em face de sua concepção metodológica, de explicitada fundamentação documental e historiográfica.

É sabido que nenhum romance histórico prescinde da realização de pesquisas prévias sobre o tema a ser desenvolvido. A partir daí o tratamento da matéria pesquisada é de livre arbítrio e fantasia do autor.

Em Victor Frond 1860 constata-se que as pesquisas feitas não apenas ensejaram a criteriosa montagem da ourivesaria do romance como serviram de importante marcapasso na evolução da narrativa, tanto que seu balizamento construtivo é meticulosamente levado ao conhecimento do leitor.

Destarte, pela preocupação que teve Franceschetto de apontar os múltiplos elementos históricos e técnicos que ancoraram sua narrativa, o resultado obtido – aliás, com indiscutível competência – é o que se poderia chamar romance histórico de ficção comprovada, o primeiro escrito nesse estilo sobre acontecimentos da história do Espírito Santo. É ler e conferir.

 

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