Marginalidade doméstica

Francisco Grijó

Ninguém discute que o que diferencia a literatura da não-literatura é a linguagem - e é justamente ela, instrumento essencial, que, lato sensu, determina as estéticas, adequando-se a um determinado momento histórico ou refletindo-o, como um espelho verbal. Há alguns dias elegi como livro da semana o clássico 26 poetas hoje, organizado por Heloísa Buarque de Hollanda, livro considerado por muitos o resumo quase bíblico de uma geração chamada "marginal", cujos integrantes - muitos deles, ao menos - compõem o panorama "estabelecido" da poesia brasileira, encaixados que foram num modelo que enquadra e rotula tendências e comportamentos. Encaixados foram Ana Cristina César - hoje um acepipe para os acadêmicos -, Wally Salomão, Chacal, Charles, Torquato Neto, o global Geraldo Carneiro, Bernardo Vilhena e muitos. Nenhuma crítica a isso, que fique claro. Não há qualquer julgamento de valor no fato de um autor, outrora à margem, fazer parte, hoje, do time principal e ser convidado, com devida honraria, para coquetéis e convescotes promovidos por aqueles que antes os criticavam. Não vejo problema: queria eu (mesmo não sendo poeta) estar na pele e no lugar deles. É aí que entra uma outra questão: a marginalidade ainda existe ou se desfez como sorvete ao sol neste mundo globalizado? Existe, claro, e qualquer escritor - ou poeta - residente no ES sabe disso, e com essa triste realidade precisa conviver, sabendo que seu destino será, metonimicamente falando, ser lido por seus pares domésticos, seu vizinho, seu amigo - ou até seu inimigo, mas sempre aquele com quem pode conversar, via fone, fazendo chamadas locais. Isso não é, nem de longe, uma lamentação - não sou um choramingas -, e sim uma constatação, uma quase obviedade. De quem é a responsabilidade (evito a palavra culpa por ela me parecer freudiana demais)? Dos próprios autores, que deveriam se mobilizar e, munidos de seus originais sob os sovacos, bater às portas das editoras paulistas e cariocas? Dos leitores, que pouco se interessam por autores locais e muito menos por aquilo que eles têm a dizer? Das próprias editoras, que não veem a literatura feita no ES como produto em que se deva investir? Do jabá? (Não se iluda: o jabá não é prerrogativa do meio musical). Da qualidade sofrível dos textos por aqui produzidos? Experimente ler, então, A longa história, o mais recente "monumento" de Reinaldo Santos Neves, ou Dédalo, de Miguel Marvilla. Dê uma checada em Vilarejo, de Pedro J. Nunes, ou em As chamas na missa, de L. G. Santos Neves. Ou ainda, se sobrar tempo, verifique a qualidade poética de Valdo Motta, em Eis o homem, ou os contos curtíssimos e magníficos de O jardim das delícias, de Bernadete Lyra. Sem contar as crônicas de Ivan Borgo, os contos de Sebastião Lyrio, a poesia de Fernando Achiamé, de Caê Guimarães e de Paulo Sodré. Eu poderia citar inúmeros títulos e autores - e até citar a mim mesmo, enviando a modéstia ao diabo -, mas não é esse o ponto do post. A discussão reside num ponto específico: a marginalidade continua na ordem do dia, há muito. Não, não há resistência quanto ao fato - a não ser que se considere a insistência em produzir bons textos como um exemplo de.

 

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