A vida secreta da gente

Marcela Guimarães Neves

“A vida, meu amor, é uma grande sedução onde tudo o que existe se seduz”. O trecho do livro A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector, cabe à perfeição como moldura para a obra A vida secreta da gente, da escritora Maria Sanz Martins.

Maria Sanz seduz. E, como gosta de dizer, o faz da forma mais “sabida”, qual seja, com doçura. Ler as crônicas dessa autora é como saborear aquele doce requintado guardado para uma ocasião especial, ou ainda, como abrir uma caixa de bombons finos, em algum canto onde ninguém possa nos perturbar, para desfrutá-los sossegadamente. Enfim, é puro deleite.

Já na primeira crônica, intitulada “Da minha precoce nostalgia”, por sua singeleza e precisão, podemos constatar que o texto de Maria Sanz Martins é singular. De fato, essa Maria em nada se assemelha ou vai com as outras, pois possui uma escrita bastante original. Talvez isso possa ser explicado pelo fato de Maria Sanz não ser só uma, visto que a Maria de quem falamos é uma daquelas mulheres que se conjugam no plural.

Advogada, estilista, fotógrafa, designer gráfica, com cursos no Brasil e no exterior, Maria Sanz, nome que virou marca de belíssimos quimonos, transborda a sua arte para além da palavra escrita. Exagerada? Excessiva? A essas críticas, a estilista responde, em entrevistas e lives na Internet, que apenas tenta se nutrir de “arte-vida”. E pode alguém lhe tirar a razão? Sobre pessoas reluzentes como Maria Sanz, concordamos com o pensamento de Nélida Piñon em seu conto “Cortejo do divino”: “(...) o que lhes importa o exagero, não é assim que se conhece o amor?”

Com uma escrita informal e, como ela diz em vários de seus textos, sem se preocupar demasiadamente com as regras de gramática, a cronista Maria Sanz escreve como quem conversa com uma amiga, deixando o leitor à vontade para conhecer os seus segredos. No que tange às crônicas especificamente dedicadas às mulheres, o texto estiloso de Maria Sanz Martins nos traz à memória a já citada Clarice Lispector em seus artigos como “jornalista feminina”, consolidados na obra Correio para mulheres.

De forma atraente, Maria Sanz abre o seu diário e compartilha conosco o seu “infinito particular”, como na canção de Marisa Monte. Com a segurança de quem defende a sua verdade, a escritora nos permite conhecer a sua família, suas preferências, bem como as suas opiniões mais recônditas sobre a vida e as pessoas em geral. Na crônica “(Minha) mãe” (p. 104), ela tece elogios graciosos e diz: “à moça loira, de boca rosada, eu devo tudo, além da vida.” Da mesma forma, a hábil escritora nos dá conselhos valiosos de convivência, dignos de anotação nos melhores cadernos, na crônica “Ama et fac quod vis” (p. 20).

Mas a autora de A vida secreta da gente também abre a janela indiscreta da nossa intimidade, dos nossos segredos mais obscuros. Sem deixar de lado a leveza que lhe é própria, a cronista utiliza-se de personagens marcantes para discorrer sobre a nossa esperteza, mas também sobre a nossa tolice, ou seja, sobre tudo o que queremos mostrar e, igualmente, sobre aquilo que preferimos esconder. Como exemplo das más escolhas, temos a situação do empresário mal-humorado na crônica “Esforço delicado”, que, por não ter usado o seu dinheiro para aprender a viver, como recomenda a autora, insiste em atazanar a família no seu tempo livre.

Assim essa talentosa escritora analisa o nosso caminhar pela vida: entre “passos de miss” e tropeços destrambelhados. Sozinhos ou acompanhados, com muita coragem ou morrendo de medo, confiando na extravagante expectativa ou engolindo a seco a ranzinza realidade, ela descreve com justeza todo o nosso percurso existencial.

A panorâmica Maria Sanz, tanto na sua obra A vida secreta da gente como nas diversas expressões de sua verve artística, torna evidente a potência criativa da mulher em sentido amplo. Com efeito, parafraseando a poetisa Adélia Prado, ser coxo na vida é maldição para homem, mulher é desdobrável. Maria Sanz Martins é.

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Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e o clube de leitura Leia Capixabas.

Editor responsável: Anaximandro Amorim