Neblina e caranguejos

(Santa Teresa, ES)

 

CENA I

Tantas fez o morro que fica defronte minha janela que acabou acontecendo. Foi que dois grandes blocos de nuvens, compactas, gordonas e muito brancas o rodeavam. Ao menos em aparência, o morro se mostrava displicente. Mas não era assim, como se viu a seguir. Por uma razão ou outra, ele tentava furar essas nuvens com algumas árvores pernaltas. As nuvens, distraídas, passeando pelo céu donde cai um frio inesperado nesta quadra de início de outono. Então, incautamente, um dos blocos de nuvens se aproxima mais do morro e este, com suas árvores-estiletes estrategicamente colocadas, fura a nuvem.  Caem em cima do morro pedaços de nuvem que se transformam em neblina.

CENA II

Fui dormir e deixei de lado o embate morro x nuvens.

Pela manhã, vi que o morro vencera a refrega durante a noite. Os dois blocos de nuvens se esfacelaram e escorreram para as ruas. Toda a cidade vestida com as nuvens despedaçadas.

Tomamos café e saímos do hotel. Fomos brincar de andar no céu com a cidade misturada com as nuvens-neblinas.  Andamos que andamos. Depois, já era hora do almoço. Glemar me disse que estava com fome. Andamos mais e nos vimos diante da tabuleta de um restaurante com o seguinte nome grafado: “Caranguejão”. Como? Isso mesmo. Inevitável pensar na situação divertida desse caranguejo deixando o mangue, subindo a montanha e se instalando na cozinha no meio de sons de concertinas, “Merica, Merica, Merica”, “Sole mio” e quejandos. Seria um equívoco? Não, lá estava na tabuleta, flutuando na brancura neblinosa, a figura de um corpulento crustáceo.

Continuar andando para achar um lugar mais adequado? Quer dizer, adequado às expectativas imediatas de quem está na montanha para comer algo diferente de um caranguejo que pode saber excelentemente, mas numa beira de praia acompanhado de uma lourinha gelada. Ali, meio contramão. Mas, como estávamos cansados, que venha o caranguejo.

Ao garçom:

“Veja dois caranguejos”

“Não temos” – disse ele.

“???”

Resumindo: comemos ali o melhor anholine de nossas vidas, próprio mesmo para quem estava brincando de andar no céu. 

 

Leia outros textos